Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Poema da Afirmação



Ah, eu não quero.
Já disse que eu não quero.
Sei que o mundo inteiro pede,
Mas eu não quero.

Já mandei cartas à China,
Garrafas de socorro lançadas em todos os oceanos,
Bilhetes grudados em pernas de pombo-correio,
Oração ajoelhada diante da ciência das santidades.

Aprendi a gritar em russo
(я не хочу),
A falar em turco
(istemiyorum),
E até mesmo a sussurrar em javanês
(aku ora pengin).
Eu não quero.

Não tente me convencer com o que tens,
Com o que vais ter,
Com o que podes ter.
Não toque em mim com o seu querer.

Já disse e repito que eu não quero,
Deixe meu não querer passar,
Deixe meu não querer chegar,
Deixe meu não querer para sempre não querer.

E se insistes em questionar mais uma vez,
Dentro desta noite escura e fria,
Sobre o que mais quero,
Traduzo em todas as línguas e códigos:
Tudo o que eu mais quero é o que eu não quero.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Mais Aceno do que Abraço

Sou veleiro perdido do vento.
Meus amigos estão na distância
E o poste que dá para minha janela
Não acendeu sua luz branca hoje.


Guardo todos os desencontros em meus versos.
Sou mais aceno do que abraço.
E aonde quero chegar
Envia cartas dizendo
Que só tem assentos de passagem.


Tudo bem,
Tudo bem,
Tudo bem,
Parece assoviar o pardal pendurado no último galho da mangueira.


Mas o canto é triste.
E triste é o canto, o encanto, o cantar.
E triste é o tudo bem repetido e indo embora no tempo passar.


Gosto mesmo é de cartazes anunciando o bem que vai chegar

Tem sabor de lá vem,
Lá vem,
Lá vem,
E engana o agora com o amanhã que ainda não nos tem.


Espaço


Meu tempo e tão curto
que tudo que curto
cabe no meu tempo.

Azul da Partida

Vai ninguém te ver.
A rua é escura é as sombras não se conhecem.
Segue o pio estridente da rasga mortalha.
Sem adeus,
Sem lembrança,
Sem estação para pouso.


Carrega apenas teus discos e poemas.
Apaga o resto que restar da tua réstia.
Bota tuas botas no chão e não olhe para trás.
Segue o ritmo compassado do teu blues.


Vai ninguém pode te ver.
A noite bebeu as estrelas e o vento se perde sem luz.
Segue o latido dos cães na alta madrugada.
Sem gemido,
Sem afeto,
Sem notícias para ninguém.


Não espere o que não se vê da janela.
Não acene para as cenas que fogem.
A dor cabe em cada copo quebrado.
E a bebida é o disco voador dos teus dias.


Vai ninguém consegue te ver.
O sono nublou o passeio e as almas têm medo de sair.
Segue o chicote da chuva que se estraçalha no chão.
Sem medo da queda,
Sem escolher leito,
Sem desespero da morte.


Vai, vai, vai...
E a nada te afeiçoe
Para que não tenhas que voltar
A carregar pesadas malas.

domingo, 9 de novembro de 2014

Poltrona Vazia


Se domingo você voltar
acendo a luz da sala
para descansar o sol
que teima em iluminar
a sombra da poltrona vazia
que você esqueceu de levar.


domingo, 28 de setembro de 2014

Cartas e Cartazes


Tenho cartas guardadas em mim,
Cartas do dia que cheguei,
Cartas dessas de cada fim.

Tenho cartas assinadas em branco,
Cartas curtas como braços de afogado,
Cartas aguardando resposta de um ombro ao lado.

Tenho cartas assassinadas,
Cartas extensas como o segundo da mais grave dor,
Cartas tristes sorrindo da janela em passagem.

Tenho cartas de amigos que se foram,
De amigos que ficaram,
De amigos que me esperam.

Tenho cartas do passado mostrando os dentes alvos ao futuro,
Cartas de mãos dadas,
Cartaz de acenos para nunca mais.

Tenho cartas que amanhecem,
Cartas que anoitecem,
Cartas de equilíbrio e desequilíbrio mais profundo.

Tenho cartas de você e de mim,
Cartas de mim junto a você,
Cartas de você longe de mim.

Tenho cartas que dão cartazes,
Cartas para não ler,
Cartas que me assombram sem ninguém saber.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Fláuta Mágica

Guarde as estrelas no bolso do seu firmamento.
Bato as mãos que soletra a poeira do adeus de cada estação.
Antes é o suicídio do tempo.
Agora tenho o presente e os laços sem nós que alguém largou.
.
Estou de saída e a saída não me agrada.
Deixo a porta aberta para o vento ter companhia.
Nessa altura me protejo nas assas soturnas do corvo negro.
As passadas pesam como o concreto armado da negação.
.
Não junte cartas, nem lembranças,
Nem mande recados para o outro lado do mundo.
Assino com navalha os pulsos desse nunca mais.
Abro a cela que condena o presente ao passado.
.
Estou de saída e a saída implora que fique.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Relógio de Bolso

O frio treme em mim.
A saudade do que fui vem me visitar de copo na mão.
Para onde foram meus amigos depois que o sol saiu?
E aquela canção,
E aquela palavra,
E aquele ambiente estático no magazine do tempo a me chamar.

O frio bate seus dentes cariados em mim.
De onde estou me vejo onde não estou.
Ao meu redor tudo me rodeia em outro lugar.
E aquela noite,
E aquele bar,
E aquela dança sem saber dançar.

O frio insiste em me dar a mão e me escoltar.
Vou abrindo gavetas, folhas mofadas, tragando o sereno sideral.
Uma fórmula qualquer para poder voltar.
E aquele sorriso,
E aquele olhar,
E aquele jardim onde mais está?

domingo, 31 de agosto de 2014

Dias de Hoje

Risquei a página branca com a sombra do teu olhar.
Chovia lá fora e o domingo visitava minha sala de estar.
Meus pássaros de noite estão calados em suas gaiolas de luz.

A visão dos moribundos alcança o que não se pode ver sorrindo.
A taça cheia parece esquecer o caminho dos meus lábios.

Tem dias que não dá para plantar flores.
Tem dias que não dá para colher céus.

Entendo a lágrima que expele o sal que nos devora.
Tateio meus dedos na epiderme agredida pelo fio que escorre.
A ilha abraça o mar com asas frágeis de pequenas borboletas.
Os erros vão adornando o chame dos acertos.
Puxo o ar, prendo o fôlego, liberto o gás sem cor desta manhã.

Tem horas que o desencontro encontra seu beco sem saída.
Tem horas que o fósforo clama socorro ao barril de pólvora.

 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

De onde vem o perfume



A cinza que a beleza deixou
Coloriu os dedos do destino que o vento trouxe.

Tudo parte ao mesmo tempo em que tudo chega.
Saio por entre os nevoeiros e planto palavras que o silêncio dita.
Continua frio lá fora e seu nome perfuma a página em branco.
Vamos juntos encontrar a paralela que nos separa.


Muitas flores no caminho e outras tantas nos cabelos.
Muitos risos pelos rostos e outros tantos nos olhares.
Quando flertamos o infinito a solidão mostra os dentes.
Temos muito tempo insistindo em nos tirar o tempo.

Guarde o batom, o lábio, guarde o beijo.
Quando a noite voltar desenho na parede nossa alegria,
Que escorre no giz de cor que a força da chuva faz chorar
Carregando tudo de agora para um novo lugar.

A cinza que a beleza levou
Descoloriu as mãos do arco-íris que o destino deixou.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Estou Apenas de Passagem

De passagem sigo os trilhos.
Tenho algumas moedas e os dias que me esperam à frente.
Tentei não guardar crenças,
Tentei esquecer a defesa, o ataque,
A razão que a matemática ignora.

Somos feitos de impressão
E a impressão que fica não permanece agora.

Se a janela aberta para o mar desagua diversas percepções
O que seria do é depois do que será?

O galope do horizonte segue sempre ao longe.
Todos com alvos lustrados e argumentos perfeitos.
Servindo a si mesmo antes de qualquer coisa.
Chamar-me-ia vento se soubesse assoviar tão rápido.
Abriria todas as frestas e seguiria sem mim dentro de mim.

terça-feira, 6 de maio de 2014

O pó das manhãs de sol

O passado é agora depois que te escrevo.
Os ratos passeiam pelos lençóis brancos.
Não me agradeça pelo sorriso que não é meu.
Tenho todos os motivos e mais um
Para ser a felicidade que teu sol esqueceu de brilhar.
Mas tudo é belo e tudo e nada se completam.

Não te levo flores.
Minhas mãos tremem ao colher de perfumes.
Te levo a correnteza que arrasta sonhos.
Te levo a razão de toda interrogação.

Olhe para mim.
Não tenho céu, moedas, nem paraíso.
Sou igual a sombra que não te abandona.
Ainda é cedo para o fim
e sempre parece tarde para o início.
Como cheira bem o pó das manhãs de sol.

Cinzas de sol


Portanto haverá dias melhores.
E dias piores também.

Os planos que foram feitos custaram tempo.
E o tempo sabe rasgar planos como páginas devoradas por traças.

Admiro o jarro de flores equilibrado na janela.
E a chuva que naufraga o asfalto não vem por lírios nem por jasmins.

Seu blusão,
seu jeans,
Suas botas gastas de horizonte.

Cada átomo chora sua alegria diante da imortalidade.
E quando olhamos seguimos cegos ao que é perto.

Se a felicidade veste arco-íris deite bem pertinho dela.
E sempre que ela lamentar as cores empreste um lenço branco.

O velho marinheiro sabe que o mar tem suas noites de ressaca.
E quando o vento sopra com raiva faz a vela encher os pulmões de ar.

Feche a gaveta,
Abra o espelho,
O amor tem fragrância de dançarina.

Igual a Diógenes de Sinope mantenha sua lamparina luzente.
E busque a virtude na porta fechada de si mesmo.

Toda distância se veste de azul.
E de azul pincele as sombras do que é presente.

Guarde a queixa, o pranto, a pena implacável.
E no poema de chinelos gastos abra janelas para o sol entrar.

Depois, nada é fácil,
De olhos abertos não se vê tanto assim.
E o amanhã não se faz só de manhãs.

Para o dia em que a terra tremer

Saque a arma!
(talvez tenha gritado).
E se gritou pediu para morrer.
Morrer?
Mas, o que é morrer?

Abriu o livro na página citada.
Encontrou conselhos, revelações e a linha do futuro.
Tem poetas que dizem que não vale a pena.
Outros que a pena vale a vida que leva.

Se o poeta não tem resposta a pergunta é a única solução.
Mas o filósofo sentou sobre os musgos
E contou que tudo tem o seu dia de nada,
Que o refaz em um tudo bem maior.

A vida segue os passos que a vida dá.
Com notas musicais azuis bem leves e suaves como um suavemente.
E a vida vai trafegando pedindo o que quer, mesmo se não queremos,
E queremos o que não temos para não querer o que temos.

Mas e a morte?
Esse silêncio magnífico!
Essa sombra que aponta a luz!
Esse medo que satisfaz o homem não tocado!

O poeta solitário diria que ela apaga o caos.
Mas seria a vida a causa de toda a dor.
E a dor,
Como fugir da própria fuga carregando o que somos?

Bem, nem sempre o pedido é um desejo
E quando a mão se estende roga forçada pela consequência.
Se a vida não é, ela continua sendo.
Por enquanto a morte é a negação,
Mas a negação que o sim dentro de nós corre ao encontro profundo

O medo é ocidental.
(Diria o pensador isolado no deserto).
E o ocidente se faz de túnicas grandiosas,
De guerras e generais.
De terras, territórios e terremotos em vitrines.

O que nos afeiçoa nos prende.
Presos só podemos falar de liberdade.
Esse cão pulguento que as prisões execram com todo horror.

Mas, a pergunta segue: O que é morrer?
Não sei!
E não saber é mágico.
É jardim para as possibilidades.
É tela da cor do ponto de vista.
Assim podemos decorar de pavor ou de ânimo a curva e o seu perigo.

sábado, 12 de abril de 2014

Me Chamo Noite

Sopre o sol.
Deixe a noite sem lençóis.

Ninguém é o vazio.
A realidade soma todas as idades
E as flores são desidratadas enquanto acenam das janelas.

Meu amor é um verso finito.
Tem a cor dos olhos da menina
E a ternura da lágrima rebelde que foge sem razão.

Somos tudo que não somos.
A palavra é o entorpecente mais eficaz.
Toda crença tem sua descrença
E a força sempre ajoelha na escuridão da fragilidade.

A felicidade é o desejo que a tristeza distribui.
Não compre o padrão,
Não comungue do igual,
Não cale o seu silêncio.

Tudo é um diferente.
E toda dor vem do que insistimos
em fazer igual.

Sopre o sol.
Deixe a noite sem lençóis.

Para não dizer que não falei de Glória

Glória!
Quantas escuridões bebestes, Glória.
De olhos fechados é mais fácil acordar.
As pílulas sonham sozinhas ao teu redor.

O rastro dos teus dias são dias de Glória.

Glória!
Tudo parece tão próximo de toda a distância.
O trago, o gole, a vista passeando lentamente ao redor.
O amanhecer também traz temporais enrolados em guardanapos coloridos.

Beleza é o teu lar, o lar de Glória.

E tem o trabalho, a responsabilidade, a vida que ordena.
E tem o trânsito, o caos, a luz apagada na hora de dormir.

Glória!
Escute o sino da matriz ajoelhado em oração.
As noites mais uníssonas não são acompanhadas por estrelas.
E se nada mais dê certo encontraremos outro bar aberto.

Bom mesmo é delinear teu sorriso, o sorriso de Glória.

Glória!
Não pense em ir embora agora.
O tempo não possui sensibilidade para contar história.
Por isso dance e dance mesmo diante do silêncio profundo.

E quando acredita que nada mais vale a pena, lembre do teu viver, o viver de Glória.

sábado, 8 de março de 2014

Maria

A pele alva, Maria
Não leva sombra aos teus dentes brancos
O cabelo negro, Maria
Guarda muitas noites dentro dele

Maria, teu nome é uma oração
Que abranda os pecados da minha mão
Não tenho luz, Maria
Mas ela acende antes do teu nome sem melancolia

Se um dia escrever um poema alfa,
Um poema virgem,
Um poema santo,
Tem que levar o teu nome, Maria.

E o trovão que estronda nesta vida,
E a tempestade que rasga barcos frágeis,
Serão festins anunciando
O bálsamo do aceno das tuas duas mãos, Maria.

Teu olha, Maria, já é uma gentileza para estes dias
E o orvalho das tuas lágrimas tornam os homens menos ruins.
E no mundo que te cerca os sorrisos da tua fé
Mantêm os mais feridos de pé.

Maria, teu nome é mais belo que qualquer poesia.
E o redemoinho que faz o teu vestido girar
Trazendo a poeira alegre que brinca no vento
Mostra no sempre que nada vale teu descontentamento.

Ah Maria, sou poeta triste,
Mas nestes versos descalços encontrei alegria
Para soletrar entre tantas nebulosas
A saudação que é o teu nome: M-A-R-I-A.

 

 

Meu Romance

Meu romance foi passear.
Tirou férias.
Hoje envia cartões postais pela distância.


Meu romance sabe romancear.
Abriga a saudade em mim
para mesmo longe ficar.

Meu romance é estrela brilhante em alto mar.
Sabe que o amor é mais puro
quando não se pode tocar.
 

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Encontrar

Amanhã falo com você.
Acordo antes do sol,
Deixo a barba feita,
O terno engomado,
E aguardo o primeiro ônibus.

Olharei pela janela embaçada,
Verei a urgência no correr das pessoas,
Ouvirei o freio,
A buzina,
A máquina do coração.

Sentirei a angústia do vendedor de chicletes,
O calo na mão do limpador de para-brisas,
O hálito do bêbado sem lar,
A loucura milimétrica dos entorpecidos na Praça João Maria,
A saudade de quem nunca viveu saudade.

Descerei no ponto final do tráfego.
Cumprimentarei a estranheza pálida dos que esperam.
Aguardarei a ordem do sinal vermelho,
A parada dos automóveis,
Contarei com meus sapatos as linhas da faixa de pedestre.

Depois da caminhada sentarei no banco da praça sem jardim.
Ouvirei um pardal urbano cheirando a óleo diesel,
O vento quebrando folhas secas,
O ronco do mendigo há alguns metros,
As réstias dos prédios lançando suas sombras de concreto.

Esperarei você com lábios molhados pela língua,
Admirando a paciência dos ponteiros do relógio da igreja,
Datilografando um dia perfeito no presente,
Fazendo pose para o sol que banha meu cabelo,
Guardando um verso de flores sem fim.

Amanhã vale a pena viver.
Amanhã falo com você.

Um Salto para O Japão

Pela vidraça quebrada escapa a nicotina.
Se o azul manda cartas o correio insiste em desviá-las.
Beleza é a criança contando estrelas sob o escuro do céu.
Se houver um jardim acomodaremos o silêncio lá.

A menina corre de pés descalços deixando a saia estampar o caminho.
Carregamos objetos roubados que nunca serão nossos nem de ninguém.
Serpenteamos argumentos, mas o sábio não diz amém.
Se temos tempo não nos sobrará mais tempo.

A vidraça quebrada deixa a nicotina fugir e o mofo respirar.
Fotografias, poemas e o frio que o fim da tarde planta nos nossos ossos.
As rugas nas pracinhas jogam damas bem devagar.
A cigarra na flor do abacateiro canta sem ninguém notar.

A menina mira seu olho verde no estrago da vidraça.
Seus dedinhos de sete velas delineiam a lâmina do vidro fosco.
O pai observa o inefável e por instantes consegue tocá-lo.
A noite estende seu sobretudo cobrindo o resto de cor do horizonte.

Os lábios miúdos começam a dedilhar a canção:
“...Uma noite não é nada
Se não dormir agora
Dormirá de madrugada...”.

Bom mesmo é correr com o sol
E quando tudo parecer declínio do crepúsculo
Viajar saltitando pelo planeta adentro
e ir sorrindo, com dentes fartos, iluminar o Japão.

A Constatação do Cavaleiro de Cristo

Desceu o escudo e a lança.
O crepúsculo acompanha a procissão de esquifes enfileirados.
A terra árida se alimenta do sangue da última batalha.
A armadura nunca é tão dura.
Todas as lutas vencidas de velas acesas no campo escuro.
A derrota nunca deixa de acariciar a vitória.

A mudança chega de mãos dadas com o que nada mudou.
Tem todas as revoluções dentro do seu diário.
O bicho dentro de cada caverna devora carne crua.
Deuses criados na pedra negra que nos sacia.
A ferida aberta por nossas próprias espadas.
Uma oração para a morte vestida do cetim que costuramos.

O cavaleiro admira o brasão com a tristeza da sua certeza.
A bandeira tremula no sopro do vento noturno sem estrelas.
A ordem cultivada no jardim sem flores da desordem.
O mundo dolorido gemendo dentro de nós.
Mãos postas no aço sombreado que o egoísmo cultiva em seu louvor.
Nunca se é tão forte diante do mais forte.

O Cavaleiro de Cristo recua.
Toca a cruz com o menor dedo da sua mão.
Ouve a voz mastigada de um bardo soletrando sua poesia pedinte.
À distância nem sempre é tão longe.
Os músculos do cavalo de guerra se contraem diante do nada.
Por vezes a constatação é maior do que qualquer oração.

O Cavaleiro de Cristo segue parado.
Percorre a cruz do seu brasão com o menor dedo da mão.
Lembra-se de casa contado os cascalhos da estrada.
A fileira de escudo, o metal pontiagudo das lanças,
o rugir dos tambores surdos, a ganância do que nada sobra,
a promessa que não se cumpre.

O Cavaleiro de Cristo não acredita mais nos homens,
Não confia mais nos anjos,
Não acena mais nenhum juramento as causas.

Ele ajoelha e não encontra os santos.
O Cavaleiro de Cristo alcançou a constatação
Que é maior do que qualquer oração.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Cartas da Distância

Distribuo borboletas no jardim da lua que me abandona.
Pertenço ao outro lado da moeda.
Não tenho estrela, mas guardo o risco luminoso num dos bolsos rasgados.
Sou meu fantasma
E assombro os vermes com meu hálito em putrefação.

Cedo as últimas penas das minhas asas de anjo caído.
A queda também é um voo largo.
Habito a sombra que o sol não quis beijar.
Acendo o cigarro nos lábios mais vermelhos da avenida escura.
Meus calos desconhecem o calçado em pose nas vitrines.

A interrogação é sempre mais bela que qualquer resposta.
Por isso vivo de perguntas que tornam meu peito um dilúvio.
A certeza desmorona antes do final do primeiro drink.
Corro atrás do verso que ninguém quis.
Onde não há aplauso encontrarei a verdade.

Ergo minha taça cheia de lagartas entrelaçadas em mil abraços.
Não trouxe flores, cartão postal ou poema inocente de amor.
Canto com os poetas mortos suas canções de viva a vida.
Temo sua razão que caminha soberana com a foice da morte eterna.
Nada é claro e tudo sempre tem seu lado escuro.

Abrigo em meu terno de brim cinza o incômodo deste mundo.
Cada homem alimenta seu medo mais profundo.
Cão rosnando com os dentes do vizinho.
Cadafalso armado e perfumado com o esmalte das suas unhas.
O inexorável é o mais nobre companheiro do homem sem medo.

Meu inefável perdão a luz da lua que me abandona sem saída.
À distância me enviará belos poemas de despedida.
Sou eu mesmo o caos e a solução do fogo que serena sobre mim.
Escolho a dor, o sofrimento, o sorriso e a alegria em tudo que me toca.
Sou meu próprio deus em tudo que dou adeus.

O Pulso e o Impulso

Profundamente amar.
Sem abrigar saudade no castanho da retina.
Sem afogar as folhas brancas do diário de menina.

Profundamente amar.
Na delicadeza leve de toda fragilidade.
No risco divino do meteoro da brevidade.

Profundamente amar.
Bordando começos depois de cada fim.
Admirando a eternidade no fio estreito do momento presente.

Profundamente amar.
Abandonando a teoria, a experiência e o conceito.
Indiferente ao padrão, a forma e a fenda do pensar.

Profundamente amar.
Na certeza que tudo passa ou passará.
Na beleza do apocalipse que não tem força sobre o que já foi.

Profundamente amar.
O que foi,
O que é
E o que será.

Depois de tudo...
Profundamente amar.
 

Já que de concreto
Nem o caminho reto.