Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

domingo, 23 de dezembro de 2018

Goodbye blue sky

Se o mundo insiste em te odiar
Acende uma vela ao mundo.
Traça uma oração ao mundo.
Depois...
Esquece o mundo.
O mundo não é nada sem você.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Poema para quando não mais se acredita no amor


Meu amor construiu fracassos.
E de tanto amar e fracassar
Me tornei ereto neste mundo material
Onde tudo ordenar desistir.

Mudei os móveis de lugar.
Escutei velhos discos.
Percebi meus olhos de nevoeiro
Depois que você disse que não ia mais voltar.

Me sinto azul.
Me sinto novamente.
Me sinto queimando gotas de chuva.
Me sinto noite adentro no meu batom.

Sou minha rua desabitada.
Girassol desorientado do sol.
Mão que me toca antes do céu cair.
Fraqueza dos mais fracos sem ter aonde ir.

Sapatos velhos e jeans surrado.
Meu romance não cabe em livros.
Tenho a vida presa entre dedos trêmulos.
E o coração livre para nunca mais amar.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Logo passa


Escuta esse verso agora
Trago sol nas palavras que caem dos lábios sem batom.
Eu quero te contar o que perdi,
O que não achei depois de cruzar a rua e admirar janelas abertas.
Te contar o que vi antes de você fechar os olhos e sorrir.

Aqui parado sinto as horas nublando ponteiros de relógios.
Envelheço em câmera lenta diante do espelho quebrado.
Tudo que passou consigo lembrar, mas quem vai me lembrar o que virá?
Parece chuva e ela cai entre eu e você.
Molha teu vestido,
Te faz correr,
Buscar abrigo,
Rir de tudo com a suavidade serena do que logo passa.

Escuta…
Logo passa…

sábado, 10 de novembro de 2018

A ponte sobre o mar

Não mereço teu abraço.
Sou quarto isolado
com uma poltrona
e lâmpada queimada no teto.
Não sou tão triste quanto os poemas de Bandeira.
Mas procuro,
busco com dedos calejados e trêmulos
um silêncio que o mundo não apresenta pistas.
Meu segredo se perdeu de mim
e quando olho o caos dessa varanda ventada de mar
entendo porque alguns preferem pular.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A noite me cala


Quantos dias sobram depois que a noite chega?
Não tenho um amor sequer.
Minha solidão brota de um horizonte de areia branca.
Pensei em ligar - diz o poeta.
Mas quem quer ser meu amigo?
(Pergunta depois de apagar a luz da sala, fechar a porta da casa e vestir os olhos de nuvens).

Há dias em que tudo é imperfeito.
Temos o terno manchado,
O ônibus lotado,
A dor cuspindo mais forte no peito,
O abismo abocanhando rastros de luz que sobraram.

Se você fechar as janelas agora não verá o que tem lá fora.
E o que tem lá fora é entorpecimento.
São papoulas que te prendem ao perecível.
Com o pó do calor que transforma jardim em deserto.

Queria que pudesses me ver.
Ver no fundo desse pássaro unitário.
Ave desolada.
Circulando sem asas.
Mudo de cântico.
Breve como um cemitério de sonhos suicídas.

Agora...
Já posso ir.

sábado, 3 de novembro de 2018

Para quando você fechar os olhos

Você e eu
De olhos fechados
Mesmo tão distante
Ainda tenho como ver.

E de olhos nublados
Acordados em meio a escuridão
Rolo o trinco da porta
Deixando exposta a nudez
De um coração pequeno
Batendo em notas musicais
O sabor de te ver sorrir.

Eu e você
Fechando agora os olhos
Mesmo em vidas estrangeiras
Tocamos dedos no céu.]

Céu de pouca luz,
Céu de destino curto,
Céu de começo,
Meio,
E fim.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Canhões nas ruas

Teremos canhões nas ruas.
Canhões esquartejando os jardins das casinhas simples.
Casinhas que mais parecem equilibristas de circo.
Bamboleando um quase cai com o vento.

Casinhas com gente pobre,
Gente humilde,
Gente negra,
Gente que tem que insistir a todo instante: Sou gente!

Teremos soldados e botas de ferro pelas ruas.
Marchando brutas e apagando arco-íris com fuzil e pólvora.
Profanando terras sagradas protegidas por um xamã já morto.
Apodrecendo liberdade num porão guardado por generais de pijamas.

Teremos dias de sangue
Sangue dos que não valem nada,
Dos que não servem para nada,
Dos que não deviam existir,
Dos excluídos e dos abortados depois de nascer.

Livros serão queimados,
Ideias serão queimadas,
Pensadores serão queimados,
Por fogueiras acessas no altar dos templos
Sob oração de pastores pagãos.

Cavamos a vala fúnebre do nosso abismo.
E quando for meia-noite
Do último dia,
Do último mês,
Do último ano,
Dirás crédulo: “Feliz Ano Novo!”

E verás a brevidade da luz dos fogos
Apagando o sol que não nasceu
Como lanterna de afogado
Sinalizando socorro
Ao se lançar por vontade própria nos braço do mar revolto.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Pra ser feliz de novo


Nesse livro não há armas.
Armas brutas de sangue e pó dos excluídos.
Armas que dão a certeza da pequenez do homem
que arma em si o medo no outro.
que violenta e divide o espaço armado
como fronteira atacada por cães indomados,
primitivos,
sobretudo, escravos da própria insipiência.

Nesse livro não cabe a munição que assassina,
tortura,
decompõe,
e separa uns de um,
Uns de todos,
Uns de tudo.
Não cabe o grito atroz que fere a mão calejada,
os lábios rachados,
os ombros curvos,
a alma dos menores de tão grande alma.

Nesse livro não há calabouços,
ranger de dentes,
tumbas escuras assombradas por homens gordos,
com sorrisos sarcásticos,
e a palmatória do mundo fazendo sumir nomes,
apagar estrelas,
e propagar a bíblia do obscurantismo.

Nesse livro tem aquilo esquecido na prateleira humanidade.
Tem dias de sol,
dias de lar,
dias de amizade,
dias de uns e de outros e de tantos.
dias de todos,
dias chamando
vem ser feliz de novo.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Janelas fechadas


Tem dias em que não quero olhar pela janela.
Me sinto silêncio.
Um leão da montanha passeando em círculos.
Solitário,
Esquecido,
Livre como cântico de cigarra
Que não importa a morte chegando nos braços do inverno.

Não adianta o quanto regas a vida.
Pois a vida te deixará sem jardim.
E sem flores,
E sem musgos,
E sem o vale fértil que acreditavas que era teu
Te encontrarás contigo
Numa poltrona com pouca luz
E a certeza fulminante que a ti somente sobrará tu.

Tudo que amamos são estrelas.
Dessas cadentes com tempo certo para apagar no espaço.
Se queres amar sem sofrer
Ama com os olhos de adeus.
E nunca,
Nunca mesmo
Espere do amor um socorro
Para os dias em que tua tão cansada vontade
Pede para não mais olhar pela janela.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Santa paz


Onde estão teus olhos de paz?
Nessa bruma que despenca entre lábios roxos
Não consigo te encontrar.

Volto entre curvas de primaveras.
Busco o céu de vento soprando que teu sorriso trazia.
Tens outono e folhas secas flutuando sem direção.

Onde estão teus acenos como afago em dias de cão?
No meio dessa multidão vociferando uns aos outros
Não encontro tua aquarela nem teus pincéis de sol poente.

Bem-me-quer você dizia entre sombras de lua cheia.
Sozinha cantou teu destino.
Fechou portas,
Abriu janelas,
Regou dias de malmequer.

Procuro você nessa noite drogada.
Onde bêbados partem de volta para casa.
Onde meninas derramam no chão minissaias coloridas.

Nessa pouca luz tento um verso
Que apague o abaju
E te faça dormir do outro lado do mundo que estás agora.

Queria um minuto.
Sessenta segundos abrindo o véu do tempo.
Para te dar um alô e ver a meninice em teus olhos de santa paz.


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O velho na janela

Velho marinheiro de olhos na janela.
Acenando com vista de neblina
Um vento de vela de chama frágil.

A luz que cai é noite.
O som que chega é sereno.
O amor que foi não volta mais.

Um velho pálido sorrindo mudo da janela.
Acompanhando com gestos lentos as estampas dos vestidos.
A maquiagem urbana avisa que tem coquetel no bar.

Ruas de paralelepípedos dizendo siga.
Poste da esquina apagado.
Flores de plástico no jardim do que é eterno.

Um velho guardado dentro de si.
Cabelos longos escorregando todas as cores nos ombros.
Esquelético, esquálido, feliz.

Bebendo doses de lua.
Mágico como a espera do que nunca vem.
Puro como o zumbir de mosquitos trazendo o inverno nas asas.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Taça de lua cheia

Esse branco que vemos na lua é o alvor de um jardim.
Jardim de flores alvas,
Sensíveis como flocos de bolhas de sabão.

São flores de sonhos que nos deixaram.
Sonhos que deixamos.
Sonhos que partiram e se partiram antes de ser.

São pequenos anjos desprotegidos.
Orbitando sua minúscula claridade longe de nós.

São vagalumes que na mais profunda escuridão
Nos banham de visão de luz no fim de tudo.

Por isso, quando perguntam aonde estou
Quase sempre estou na lua
Lá tem mais eu do que em mim.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Homem de bem


Mas tu olhas para o céu
e antes que ele desabe tu gritas.
Imploras proteção para o mal que em ti abrigas.
Pedes paz em teu lar
e arma de violência tuas palavras além da porta.

Queres sombra, sossego e descanso.
Pedes um sol bonito e brilhante no teu quintal
mas antes de tudo envias falas de intolerância e tempestade em teus sinais de vida.

Ninas o teu pequeno filho que dorme protegido
e entre lençóis perfumados que embriagam o quarto de dormir
contaminas o sono dos já sem sono
com teus trovões violentos de ignorância e indiferença.

Pedes justiça, mas não és justo.
Pedes amor, mas não sabes amar.
Pedes ética e não suportas o peso mínimo da coerência.
Pedes vida, mas desejas a morte ao que a teus olhos não parece espelho.

Clamas a Deus.
Rogas a Cristo.
Buscas Buda, Maomé, forças sublimes da natureza espiritual.

Mas nem Deus nem Cristo,
Nem Buda nem Maomé,
Nem as forças sublimes da natureza espiritual
encontram morada no calabouço lodoso
o qual ousas chamar “homem de bem”.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Notas de uma gaita



Meus poemas são ternos manchados de tinta fresca.
Tenho o desejo vago de ir embora e uma vontade ébria de ficar.
Minha oração não sabe falar com Deus
E quando acordo pela manhã
esqueço a noite como beijo em lábios de paixão passageira.

Não sei nada da vida.
Não sei nada da morte.
E não saber é um estado divino de pureza.

Canto porque me sinto triste
e meu canto triste afaga os sorrisos que guardo dentro de mim.

Tive ideias.
Mudei de ideias.
E de tanto beber e vomitar aprendi que tudo que se pode tocar não tem valor nenhum.