Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

domingo, 20 de dezembro de 2015

Behaviorismo


Soprei a luz do fim do túnel.
Sou próximo das cartas que o céu encharcado nos envia.
Vai o trem cego.
Vai impávido,
Colosso de ferro e aço preso a trilhos gelados.
A fúria contida por linhas retas,
Por linhas curvas,
Por linhas.
A força domada.
O behaviorismo acena nos olhos castanhos da menina.
Cego vai o trem sob controle.

Nem a luz extinta das lâmpadas de direção parece salvá-lo da seta escura dos trilhos.

sábado, 19 de dezembro de 2015

A felicidade não é deste mundo


Mesmo longe ouço a órbita das tuas palavras.
Mas tudo terminou.
Terminou aos poucos.
Sem sentir.
Sem aquele sino de igreja dobrando alerta.

E parece que o céu ruiu em pedaços de gelo no meu whisky.
Você é tão alegre
E essa alegria é uma mentira suave que te agrada.

Quantos azuis o homem ainda pretende pintar no muro da avenida.
Enquanto transeuntes tristes acenam sorrisos amarelos de verdade.

A solidão do dia pede a mão da noite escura.
Mas o paraíso é um cadafalso.
Por mais que você negue, a sombra vegeta nos teus pés,
Se estende no lastro do caminho
E se aquieta no som da queda.

A felicidade não é deste mundo.
Trombetas de anjos anunciam.
E você escreve no diário rosa de menina: I Love You!

Não se assuste, estou no sofá da sala
Tragando a vida sem compromisso com a felicidade.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Em busca do silêncio

Deu boa tarde com orvalho nos olhos.
A vitrine molhada dava para a rua quase deserta.
Ela parecia feliz sem nenhuma companhia.
Pediu um café e a noite começava a se acomodar entre seus cabelos.
Ônibus iam e vinham em intervalos de tempo sincronizados.
Me olhou mais uma vez e tomei o azul do seu aceno em pequenos goles.

Me contou um último segredo.
Falava bem próximo
E seus lábios enviavam cartas despretensiosas de amor.
Tinha o hálito do hortelã que vinha do chiclete mascado lentamente.
Não contava saudades nem lamentos do que não deu para ser.
Era só e somente assim parecia feliz.

Leu um poema de Bandeira escrito num papel amassado de bolso.
Sorriu como um alívio da dor quando adormece.
Se mostrou linda novamente.
Levantou, deu as costas e antes abanou os cílios para mim.
Deixei-a ir sumindo entre a névoa de gotas cinzas que o inverno traz.
Até não mais vê-la em mim.

Parecia feliz,
Parecia leve sem nenhuma companhia.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Mais perto de Abbey Road


Este piano lento que toca agora me traz a tua timidez.
Mãos no rosto deixando escapar um sorriso de dia nublado.
Tudo no tato da tua epiderme deslizando dentro de mim.
Lábios massageando palavras levadas na brisa entre dedos.
E você levanta,
Desenha planos no ar fresco desta manhã,
Transporta o infinito,
Arruma o lugar para cada coisa,
Recria nuvens quebradas em terremotos de delicadeza.
Ah, seu vestido...
Seu vestido serena a simplicidade de um verso pobre.
Desses de urgência inatingível pelo amor que não se pode ter,
Desses de amparo ao veleiro perdido em noites de ondas gigantescas.
E você volta,
Acena do outro lado,
Envia lágrimas em crepom,
Diz que permanece,
Fala suave sem assombrar plumas.
(Ah, estou aqui novamente...).

E este piano lento que toca tão perto me devolve a tua timidez. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Voz e violão

Ao vivo neste palco voz e violão.
Sozinha lagrimeja a tarde, ventos e calafrios.
Crianças passeiam no parquinho de grama verde.
Escuto gargalhadas entre dentes de leite.
Segue a vida solitária como o instante de paz que um dia te tocou.
Pedaços de céu no meu copo de vitamina.
Duas luas, nenhum amor e a felicidade deixa a mostra meus dentes amarelados.
Aumento o volume.
Ninguém mais para ouvir.
Somente eu
Em cores e em versos.

A sua falta me faz lembrar meu disco favorito.
Dá vontade de sorrir de novo e sentir a tarde bocejando azul.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Beatnik envelhecido

E a minha pressa serena no que não pode ser.
Sento,
Peço dois copos,
Uma cerveja.
E convido meu fantasma de mangas longas,
Braços longos,
Barbas longas
Cheios de longas conversas que não levam ao fim.

Ah, como é bom ouvir a campainha tocar
Sem nenhuma urgência de abrir a porta pra você entrar.

sábado, 31 de outubro de 2015

Por trás da porta




E quando fecho os olhos ainda dá vontade de voltar.
Vestido com minha camisa de mangas longas,
Sair no meio da noite como um fantasma brilhante,
Entrar no pequeno bar da esquina,
Pedir outra cerveja,
Cumprimentar com um gesto vago a tristeza de cada retina.

Tocar os lábios no copo de vidro,
Soltar um verso acreditando que é possível mudar o mundo,
Achar sensual os trejeitos da dor que nos assola,
Fugir sentado no mesmo canto de mesa depois de mais um gole.

Admirar cautelosamente as prateleiras com garrafas enfileiradas,
Deitar meu cansaço na noite alta de um sorriso de menina,
Sair de mim antes deste mundo mudar a mim,
Partir abraçado a um ruído rouco de rock and roll.

Sei que quando fecho os olhos ainda dá vontade de voltar.
Rever amigos, amizades e as sombras do que nos sobraram.
Zombar dos cristais quebrados pelo chão que pisamos descalços,
Entregar sonhos em papel crepom para mocinhas de sabores fáceis,
Elaborar teorias em guardanapos amarelados cheios de hálito.
Ir tão longe, mas tão longe que a razão esqueça sua razão. 

E quando fecho os olhos ainda dá vontade de voltar.
Com minha barba longa
E a chuva escorrendo no rosto que não aprendeu a chorar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Passeio da boa vista




Este resto de tarde cai sobre a minha janela de vidro

E você quase sem cor me pede um verso feliz.

Mas felicidade não cabe na poesia.

Cabe na poesia sua noite mal dormida,

Seus dias sem respostas,

Seus esquifes ancorados no desfilar das retinas.

Mas nunca a felicidade.


Não vou desperdiçar meu verso com um sorriso feliz.

Poesia é para os tristes.

Para os que estão à deriva,

Para os esquecidos por amores,

Para os com pouco sol na testa.

E nunca para os de cabelos soltos aos ventos.


A poesia é santa e não veio ao mundo pelos felizes.

A poesia veio ao mundo pelos inválidos,

Pelos pecadores,

Pelos humilhados,

Pelos sem rumos e doentes de passeio sem boa vista.


E a poesia é o teto,

O amparo,

A gota de desespero que atenua,

Que faz o caos se tornar lar

E os assombros doces conversas em varandas noturnas.


Ah, não se engane.

O feliz não procura poemas para ler

E sim

Vida

Para viver.