Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

sábado, 28 de março de 2015

Balada de um homem qualquer

Sou a parte repartida de mim mesmo.
Não tenho encontro marcado e o horizonte bebe meu sol no fim do dia.
Conto paralelepípedos no destino que me leva cego de mãos dadas.
Vejo janelas abertas e flores temorosas de brotar.
Tudo parecer correr na frente sem chegar a lugar nenhum.

É a sirene da urgência gritando a hora do trabalho,
A hora de levantar o corpo e seguir o trânsito,
O dinheiro, a pose, o verbo,
As autoridades inventadas em pódios de sal grosso.

Aspiro a poeira sedimentada do concreto dos altos prédios.
Embebedo meu cigarro na fumaça do óleo diesel baforada pelos escapamentos.
De braço erguido não dá para tocar o contorno do céu que cai.
O tempo vai aliviando a vida e regando a morte.
Quando passei não percebi o aceno da naftalina inebriando o que não volta.

Santo entorpecido,
Amigos debaixo da mesma noite escura,
Mesas equilibrando copos completos,
Meninas e meninos,
Micropontos de fadas salpicando pó de pirlimpimpim.

Sou a monotonia de um bandido em eterna fuga.
Meu amor tem vestido azul e guarda meu cansaço no colo.
Não mando respostas.
Esqueci a pergunta.
Durmo e não sonho com estrelas imóveis.

Sou cadente como um homem qualquer.
Na minha balada cabe a vida que vivo e amargo.
Velo o sono da solidão.
Umedeço os percalços da estrada.
Dou a mão às frustrações inconformadas.
Balanço o berço nosso de cada dia.

The End



O fantasma acende seu charuto no ponto final.
As cenas acenam adeus.
As costas viradas contra o vento.
O ar tragado entre gotas de neblina.

A gaita muda enfiada no jeans surrado.
Os muros murados de multidão.
Os lampejos bêbados do vaga-lume.
A escuridão brincando de ciranda com a luz do dia.

O fim,
O final,
O finalmente.


A espera do amor que terminou.
A saudade do que foi e não voltou.
A dormência da última dor que acabou.

Só o fim nos acompanha e é terno,
E é duro,
E é furo quase sem furor.

Só o fim nos ornamenta e é lamento,
E é alento,
E é lento quase um torpor.

O fantasma toca gaita sobre o cianureto dos segundos.
Observando sua melodia afogada na imensidão do fim.
Dançando em tons de cinza em luas de Jim Morrison.

domingo, 8 de março de 2015

Agasalho

Nos teus cabelos sobrevoam terremotos.
Sou eu esse vento que desalinha a linha comprida do caos.
E quando fores embora estarás voltando.
É a curva do encontro que enamora o desencontro.
Mas, o que ficou é uma janela aberta, escancarada
a admirar o futuro que ampara as saudades do foi.


O jeans,
O violão,
A corda partida que desafina a voz do bardo.


Desafinar não é preciso,
e o que é preciso não é arte.

Volte logo,
mas não tão logo que é preciso.


Volte depois de todas as voltas,
quando a lua surgir,
a neblina cair,
e não houver mais flores para distribuir.


Nos teus olhos tremem retinas em telas turvas.
Sou essa epiderme que desliza o sono seco de sonhos.
E quando fores ao espelho acariciar o vidro pedrado da tua imagem
eu estarei mais perto da lembrança que cai no assoalho
sapateado pelos teus pés
em círculos de volta e meia .


Todo amor é um dia de sol agasalhado no frio que a chuva trás.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Para quando fores tocado pelos covardes



E a vela dos últimos dias incandescia as suas covardias.

Entre um trago e outro do mesmo cigarro,
Entre a noite e o asfalto que separa a coragem dos lábios do dissimulador,
Vinha a réstia do caos que abre seus braços e solta seus lobos infernais.


O medo visita a coragem com humildade.

A regra é a virtude,
E o tempo que pode ser não vale mais do que o tempo que é.


As assombrações que caminham por perto mandam respostas do outro lado.

O tilintar de ossos mastigados desperta a fúria dos mantos mais sagrados.
E a paz não sobrevive admirando os horrores da guerra.


Se levantas o corte da língua afiada e acovardada que trafega nos cubículos inóspitos dos teus pálidos semelhantes,

saiba que na trincheira seguinte tem a bandeira erguida,
a coragem dos homens de bem,
e o aço polido e cortante dos que cortejam a virtude e a honra.


Se o dia não amanhecer 

é bom refletir quem apagou as primeiras luzes.