Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Amálgama

A
noite
traz
nos
seus
longos
braços
todos
os
séculos
de
estrelas
apagadas
que
se
tornaram
noite
também.

Enquanto o Céu é Chuva

Escrevo com a gota
da lágrima
que
esqueceu de cair.

O mundo não tem
tempo
para as cores do meu
lamento.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Convalescência

Entrei sem bater
não havia ninguém para reclamar a invasão abrupta.

O vazio era a única companhia da febre
que tocava piano em notas suaves serenando a convalescência do corpo quieto.

Os dias iam passando enfileirados um a um.
O primeiro apresentou a rosa roxa na lapela,
O segundo perfumou o ambiente com calor nos ossos,
O terceiro redigiu com cuidado cirúrgico cada ponto dolorido,
O quarto mendigou o socorro das bombas injetáveis,
O quinto... O sexto dia plantei flores de antibióticos ao lado da cinza derramada.

O passo seguia pela casa percorrendo o frio das mesmas cerâmicas.
O isolamento no quarto vazio era fortalecido pelo silêncio que umedecia o teto branco gelo.
A tosse como o urro de um animal golpeado alertava presença à vizinhança.
A vida lá fora continuava e vinha pela tv nas palavras turvas da repórter.
A reflexão que a dor calcula sentava ao lado mastigando seu chiclete sem corante.
Os olhos avermelhados delineando a verdade impressa no espelho do banheiro.

Faltaram mãos, sobraram pés.
A dor é cara, carinhosa, é caridosa.

Faltaram eles, sobraram eu.
Com a seta, a certeza e a saída.

[Depois de cada conhaque de escuridão
aprendo a lidar melhor com o sol, com o girassol, com a solidão].

domingo, 27 de outubro de 2013

Quando Ela Chorou

E as gotas de sol que gotejavam sobre a lágrima perene
cristalizavam o líquido descontente
transformando a dor em beleza singular
deitada soberana sobre a página em branco
que o poeta não ousava sujar.

sábado, 19 de outubro de 2013

Depois do Crepúsculo

Bebo
sob nuvens cinzas
refletidas no rosto da lua cheia.

O dia acabou.
Restou a noite despida de luz.

Entre dois goles em um
aceno a seriedade das sombras
lembrando taciturnas que somos humanos.


Único

Este
silêncio
quebra
o barulho
ao meio
e
nos faz
sentir
o rosto
da solidão
sem nenhum
capuz
de
sonoridade.

além do
solitário
tem a
beleza
mais
procurada
a do
único
a do
só.

Sempre Novamente

Ao amigo Daniel Bispo

E ele tocou a luz
com o dedo indicador
e não se queimou.

Todos os pregos oxidados
diluíram seu veneno
e o luar amanheceu sua vida.

O velho encontrou o cuidado,
O homem a força para seguir a frente,
A criança o futuro para mudar o que pode ser.

E ele tocou a luz nos lábios de uma menina.
Esqueceu a escuridão no último copo quebrado no asfalto.
Fechou a porta da rua para encontrar a casa.

Deixou a tristeza sozinha.
Cedeu ao afago da alegria.
Não precisou escrever poema em papel em branco e preto.

Foi o que devia ter sido
para ser
o que é hoje.

E ele tocou a luz
quando a luz admirava
a força cega do que nada ver.

E novas canções surgiram
e a poesia se fez inocente
e o sorriso do tudo bem abriu-se
para um sempre novamente.

domingo, 29 de setembro de 2013

A Distância do Por Enquanto


As flores esqueci.
Não me sobrou trocados.
Forrei as mãos com os restos da noite.
Saio levado pelo vento sem forças de soprar a vela do alto mar.
Tenho ainda o som da tua voz passarinhando todos os meus versos.

Lembro dos amigos que ficaram,
dos amigos que partiram,
dos amigos, eu lembro.

Recordo o batom deitado
na minha longa camisa
estampada de rádios chuviscados e sintonizados na sua estação.

Quando a lua grávida sapateou, você chorou.
Sorri bobo em três acordes de introdução
e cantei, sem um copo na mão, ao futuro e a sua doce escuridão.

Sei que a minha ambição é pobre do que só cabe em grandes malas.
Continuo regando o nada
com letras, poemas e canções.

Minha felicidade permanece passeando entre copos,
amigos, romances e revoluções.
Tudo diagramado nas pichações dos que pensam e não dispensam.

Ainda corro, mas bem devagar.
É que a paisagem ensina bem mais do que onde temos que chegar.
Por isso queimo os dias e acendo as noites nos cigarros de cada cauda de cometa perdido.

Não me fale mais do talvez.
Este bêbado embriagado de tantas dúvidas.
Somos o por enquanto assoviando que ninguém vai mudar o que ficou.

As flores esqueci.
Também esqueci do vestido branco de noiva,
do véu, da grinalda, dos convidados,
e do padre com seu sermão repetitivo: "Até que a morte vos separe".
Mais uma vez desprezei o padrão
e provei que o amor flerta docemente com a oposição.
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Epílogo de uma Paixão em Quatro Notas Musicais

Ah, se eu pudesse te ver.
Acomodava sobre a epiderme
Da tua emoção
As flores astrais
Semeadas com sementes
De letras mortas
Que não soubemos
Regar.

Ah, se eu pudesse te ver.
Alcançava num só impulso
A distância quilométrica
Entre os segundos
Que nos levaram
Pela mão
Cada um para um outro
Lugar.

Ah, se eu pudesse te ver.
Abandonava a casa,
O trabalho,
As pílulas artificiais
E subia ao sétimo céu
Sem o súbito empurrão
Da morte para me
Salvar.

Ah, se eu pudesse te ter.
Apagava todas as velas do quarto
Delineando apenas
Com o olfato dos dedos
Teu corpo nu
Ausente de tudo
Presente somente de
Nós.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Requiem Para o Fim do Mundo


Eu irei menina
mas espere a chuva passar.

Irei descalço,
pisoteando a brasa que o frio apagou.

Irei sem amigos,
catalogando no livro sem folhas a solidão que eu sou.

Não me apresse menina.
Tudo segue seu curso bem devagar.

Irei sem rosa na lapela,
para que nenhum perfume ouse me acompanhar.

Irei por dentro da noite,
camuflando os passos nas sombras para ninguém acordar.

Paciência menina.
Logo estarei acalentando de cinzas o batom azul dos teus lábios.

Irei sem contrato, sem sucesso,
sem a ansiedade feroz que nos enfurece o viver.

Irei sem terno, sem razão,
sem o asco que impregna a pele de tudo que se faz humanidade.

Na verdade, menina.
Irei plenamente desumano, bárbaro, ausente desta civilização.

Para que nos serve esse cão abjeto e sanguinário?
Esse devorador de ossos flamejando pela terra em bilhões de diabos dissimulados.

Aguarde mais um pouco menina
Levarei versos, sons e bebidas.

A chuva não tarda a passar.
Quando a chuva partir, partirei para te encontrar.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Para Quando o Frio Voltar



A chuva enxugava o calor do asfalto.
O frio de sobretudo sorria seus lábios de gelo.
Do outro lado da escuridão a brasa do cigarro deletava a existência da vida.

Vidraças fechadas.
Cobertores acordados.
Sono na mesma mesa do sonho.

A rua seguia com a lama carregada nos cantos de calçada.
Um copo de vidro amarelado aparava as goteiras sem ar.
A roupa pesada de calafrios bebia todas as gotas da tempestade.

Nuvens carregadas camufladas de cinza.
Céu embriagado escondendo estrelas.
O silêncio do socorro com mãos de temporal.

A noite era um mar revolto rasgando com fúria as cores da cidade.
Ainda deu tempo de piscar no teu rosto nu
Mas, o sol partiu-se em cacos alaranjados da mais nobre ternura do fim.

Enquanto o firmamento desabava feito um suicida na força de todas as águas
Eu sapateava solitário no ventre rústico dos trovões,
Abandonando os planos falidos no espaço milimétrico do teu ruído.

O dilúvio era adeus
E ao adeus entreguei o sereno do que se foi para mim.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Velocidade




Minha pressa está de saída.
Segue de braços abraçando a urgência.

Minha pressa é assombrada pelo tempo.
Vai à frente se achando atrás.

Minha pressa morre de véspera.
Pensando vencer os ponteiros da morte.

Minha pressa sobrevive apressada.
Correndo com tudo e se detendo a nada.

Minha pressa é um homem bomba.
Bebendo os segundos no relógio do fim.

Minha pressa é um alô com adeus.
Mata o tempo fazendo cada coisa a tempo.

Minha pressa se foi com tanta pressa
Que não vestiu a roupa nem se despediu.


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Antes do Sol Voltar

Descanso na taberna...
A névoa radioativa se fez mulher.
Feiticeira, dançarina, ninfa noturna.

O cântico foi meu devaneio mais profundo.
Não havia janelas.

A fumaça,
O álcool,
O balé,
Contaminavam o palco, o texto e os atores.

Seu olhar purpúreo drogava os espectros.
As fadas inocentes choramingavam na porta da frente.

Vozes entorpecidas entrelaçavam-se
em um ritual de devoção a algum deus profano.
O maestro em trapos coloridos reluzia as esferas de todo olhar.

Meu devaneio cintilava seus sapatos pretos
na sonoridade inconsequente daquele mórbido salão
impregnado da mais doce de todas as morfinas.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sobre o Tempo


Com o tempo não temos mais sustos.
O coração vai simplificando os temas.
Deixamos o ponteiro correr na frente
e sentamos serenos no meio-fio de todas as escolhas.

Com o tempo aprendemos a ignorar a urgência.
A agitação feroz da vida perde a autoridade.
Concluímos que no momento em que dividimos, nós somamos
e que a força não se abriga no punho cerrado e sim, na resiliência dos dias cansados.

Com o tempo as necessidades envelhecem e morrem.
O grito de guerra se mostra um erro.
Falamos mais baixo por termos certeza
e percebemos que a rota das vitrines é o esteio do nosso vazio.

Com o tempo não há mais fuga de si mesmo.
A dor é obrigada a encontrar a cura.
Abandonamos os esconderijos sociais do parecer
e debruçamos a retina nas flores que esquecemos de regar.

Com o tempo nosso passeio segue de pés descalços.
O silêncio deixa de ser sinonimo de solidão.
Solucionamos as noites que tem solução
e sossegados abrimos um champanhe se o inexorável nos alcança.

Com o tempo a poesia passa a ter sentido.
A morte fraqueja em seus assombros de desespero.
Certificamos que a distinção não desfigura o que temos de igual
e o chão, a gravidade, o glamour e a queda são sobras do mesmo banquete.

Com o tempo sabemos para que nos serve o tempo.

sábado, 6 de julho de 2013

Apocalipse

Incendiar o mundo com um isqueiro.
Beber as chamas na taça de Nero.
Purificar a vida com as cores da morte.
Mandar cartas de silêncio ao amor que a fala profana.

Rasgar os discursos,
Escurecer os livros,
Condenar os santos na palidez de seus infernos. 


Lembrar do homem com um asco nos lábios.
Entender que os braços que buscam Deus procuram vantagem.
Apagar todas as luzes e chorar no escuro.

Não pode existir salvação no berço da contradição.
A mão que balança a Terra tem muitos prantos a contar.
A soma é o que mais nos diminui.

Incendiar o mundo com um isqueiro.
Conceder o fim como o perdão eterno.
Gravar na lápide escurecida: Não visitem.
Abrir as portas do nada que torna o tudo ao igual.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Maná


E a luz acendeu,
E o gás inalou ar puro,
E a marcha abandonou a planície invadindo o planalto,
E a pedra beijou vidraças,
E o estilhaço feriu os pés,
E o sangue se fez mercúrio cromo,
E o nada vestiu-se do tudo,
E a liderança foi liderada,
E o antes deu lugar ao depois,
E a cura ungiu em fogo todas as enfermidades.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Depois que a Luz Apaga

Guarde o céu.
Apaguei o azul dos teus olhos
nos tragos de fumaça de tudo que é cinza.

Siga o sol.
Meus passos soletram o ritmo do blues
que a solidão cantarola cheia de tudo que é feliz.

Vou traficar analgésicos em ampolas de versos tristes.
Vou regar as flores na janela de cada frustração.

Seja horizonte.
Minha noite cobrindo o tênis gasto
pela vida abraçada no desgaste da sua borracha.

Abrigue-se.
A volta desenha nos riffs de tempestades
o perigo nebuloso espreitando a exigência da curva.

Não nego o sonho, a iluminação, nem a beleza.
Bebo todos os licores e canto com a mesma voz suas ressacas.

Guarde o céu.
Minha liberdade esqueceu seu nome e sobrenome.
Não levo mochilas e há sempre o que fazer depois que a luz apaga.

sábado, 22 de junho de 2013

Amálgama da Flor

O pirilampo insiste
No meio da noite
Combater a escuridão.

Dom Quixote,
Moinhos de ventos,
São Jorge e seu dragão.

A utopia e suas botas
Carregando a lama
E rasgos em seu blusão.

A luta nunca é perdida
Se a causa é justa,
Abnegada e para muitas mãos.

A dor que não dói em ti
Fará tremer o mundo
Quando habitar o teu salão.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Curvas sobre Curvas

Guardo todos os becos sem saídas
na saída curva apontada pela dúvida do meu indicador.
A esquina do outro lado da avenida
convida-me ao enfrentamento do freio, da buzina, dos pneus, do aço,
contidos nos automóveis que se agridem no asfalto.
Cruzar a avenida é uma dúvida,
assim como a esquina é uma dúvida,
e a dúvida é a necessidade inexorável da vida.

Dobrar a esquina é multiplicar os horizontes.
É a possibilidade de romancear múltiplas chances de ser feliz.
Pode ainda ser o passo ao encontro do breu, do calabouço,
da sombra de vela acesa abrigada sob véu da noiva no altar.

Permanecer inerte na calçada dando milho ao tráfego, também é uma dúvida.

O primeiro beijo é uma dúvida,
o segundo e os outros também.
O primeiro amor é uma dúvida,
os seguintes também.
O dia nasce e some na dúvida.
A noite alta segue o mesmo galope também.
Insistimos em propagar certezas
Quando somos dúvidas também.

Liberto o frio de três pedras de gelo no whisky.
Brindo a beleza que floreia a dúvida do ser ou não alguém.
Por fim,
largo minhas dúvidas em cada gesto do meu amém.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Revolução de Um Homem Só


Rendi a guarda da frente do Congresso
com meu estilete enferrujado.
Vim com fósforo na mão incendiar os códigos,
Enclausurar deputados,
Escravizar senadores,
Acorrentar a Presidência da República no tronco de todas as barbaridades.

Vim lacrar todos os gabinetes com o escarro podre
das mais abjetas dores inaudíveis.
Vim assombrar como um diabo vermelho
  a paz das famílias dos que se alimentam da guerra.
Vim rasgar com os dentes imundos o couro
dos que se cobrem de veludos e futilidades.

Vim estuprar a justiça classista abrindo seus olhos
com a lâmina fomentada nas lágrimas de todos os injustiçados.
Vim destituir com as próprias unhas cheias de lama
  a lei e a ordem que nos engana.
Vim assassinar cruelmente cada filho da riqueza
que não lhes pertence.

Minha marcha é reta e não se curva a dúvida das curvas.

Uso gasolina, querosene, álcool e até a dor atômica
de todo este planeta.
Uso o vírus, a bactéria, o fungo e até os mortos fatiados
pela ausência do Estado.
E mato, esfolo, exibo no mais alto Ministério
  o caos que senta a mesa dos sem mesa.

E não adiantar a sirene estridente,
O coturno batendo tambor,
O risco de fogo dos fuzis,
O argumento da ordem que nos mantém em desordem.

O telão do Congresso expõe ao vivo a morte ensanguentada
sob a trilha sonora das “metralhas”.
Gostaria de cortar a garganta dos três poderes.
Pois, o ventre é livre,
  Nossas vidas não. 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

sábado, 25 de maio de 2013

De Passagem


Não tive tempo de regar as flores.
O perfume do cigarro acesso competia com as sobras do batom.
Nesses dias a neblina do sol cai como plumas de cinza.
Nesses dias o silêncio é um cão indomado mastigando a ausência.
Se for, foi para nunca mais voltar.

E os pulsos entregues a guilhotina é a última página do diário.
E as juras ajoelhadas de eternidades cabem no limite de cada história.

Havia um vestido azul, eu lembro.
Uns trocados no bolso do jeans rasgado,
Uns sorrisos enxugando copos de cerveja,
Uns olhares convertendo as sombras do próprio planeta,
E os amigos...
Ah, os amigos...
(A amizade é para aqueles que não fazem cálculos matemáticos).

E os dias afastaram-se sorrateiros como longas noites de sereno.
E as manhãs nasceram dos analgésicos da sobrevida que goteja do mundo.

Não tive tempo de regar as flores.
A noite chegou quando ainda era dia.
Continuo o mesmo menino magro da fotografia.
Alertando nos fósforos riscados dos versos vesgos de todo o poema
Que o bom da vida é o permanecer da passagem.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pauta

... E a pergunta
Cuspiu seu fôlego por entre as frestas dos dentes do repórter:
- Saudades do que passou?

As rugas adormeciam sossegadas
No olhar que fitava o crepúsculo afogando no último rastro de horizonte.

- Não. 
(Respondeu sereno).
- Não sou mais esse. Sou este.