Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

sábado, 20 de janeiro de 2018

Poema para dias nublados


Seja neblina escorrendo seu caminho fora do asfalto.
O frio é leve quando despenca como gelo em copo de whisky.
As nuvens estrondam suas baterias com o cinza que nos faz acordar.
O tempo cai em prantos mostrando seu velho blefe de jogador.
E teu cigarro continua acesso do outro lado da vidraça.

Tem dias em que tudo está em paz.
São dias nublados de inverno silente,
Com sol apagado e roupas banhadas no varal.

Tem horas que o fim serena acalanto.
As janelas dos carros seguem fechadas,
Os guarda-chuvas são armados,
E botas molhadas aliviam os calos dos nossos pés.

Só temos o que não nos sobra.
São raios cortando o poder de noites em dilúvio.
Previsão de pouco sol,
Dias de nevoeiros como olhos marejados de adeus.

Ouvimos canções de inverno na sala vazia.
É chuva cantando blues de uma nota só.
É você na antiga foto guardada que lembro de rever.


Tenho o frio abrigado nos ossos e em dias nublados paro de tremer.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O voo do corvo

A culpa é do ruído do mundo.
Esse cão que ladra mostrando dentes assassinos.
Entendo que a busca é pela salvação.
A salvação do dia que descortina a noite.
A salvação do pão duro mastigado a cada sol.
A salvação de uma dor que insistes em chamar de amor.

A culpa é do barulho replicante que vem do trânsito lá fora.
Essa contramão que acidenta corpos desnutridos nas calçadas.
Entendo o sino que louva uma vida de perdão.
Perdão pelo que não faço,
Pelo faço,
Pelo que já fiz.

Perdão pela falta, pela demasia, pela hipocrisia.
Perdão pela ofensa, pela virtude, pela delinquência.

A culpa são dos tambores que a mão amassa em estrondos profundos.
A culpa é humana, abjeta, infernal como toda a humanidade.


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Sheratan



Não volte mais.
Fique na distância.
Na linha que ultrapassa o horizonte.
Para sobreviver em tantas luas preciso te idealizar.

Jogar cartas pela janela do carro.
Esperar que a rebeldia do vento um dia te entregue em mãos.
Olhar tua foto, teu olhar parado, teu cabelo em curvas
E entre um drinque e outro me enganar que existe céu.

Poderei seguir no frio, subir geleiras, caminhar na noite que desaba em prantos.
Alcançarei a fé de mãos postas, o altar dos desvalidos, o dia que não vai nascer.

Saberei colher ferrugem como o jardineiro estala pétalas de flores de bem me quer.
Serei o triste, o melancólico, a depressão e você a fuga do suicídio que me assola.

Não volte hoje.
Não volte nunca mais.
Fique como estrela que vejo e não sei tocar.
Permaneça tão longe que a distância nos una.

Como o primeiro tocar de lábios distraídos.
Como o ar soprando nossos cabelos longos naquelas ruas anoitecidas.



Estrelas e jeans



Um dia a gente se encontra.
Contarei as estrelas que não consegui acender.
Sentarei ao lado da tua sombra na calçada.

Meu olhar envelhecido desaprendeu a derramar lágrimas.

Poderei te ver por trás da noite enrugada
dos longos cachos que teus cabelos distribui ao vento.


Não me resta nada além de versos e canções rock and roll.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Olhos de Medusa


Mas teus olhos apagam luzes.
E o sábio no alto da geleira
envia telepaticamente
cartas
que chegam como foguetes de papel
esbarrando na taça cheia de hormônios
que insistes em encher
com a sombra fluorescente e tosca que te cega
impedindo de ver o sol
que brilha entre velhas árvores
do outro lado da porta da sala.

O que te falta tá tão perto que a mão não pode tocar.
Então dorme, dorme, dorme…
A alucinação logo passa.
Como passam as lágrimas do que tínhamos como eterno
levadas pelo remo inexorável do barqueiro Caronte.