Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

sexta-feira, 3 de maio de 2019

31 de março


A Ave Maria de todas as dores
Fecha os olhos em prantos e oração
Cobrindo com seu luto pardo no meio da neblina
O 31 de março
dessa Pátria Mãe Brutal.

Pelos gritos
Elétricos,
Chocantes,
Torturantes.

Pelo sangue
Talhado
Nos lábios amassados,
Nas veias rompidas,
No chão sujo de cada obscura porão verde-oliva.

Pelas lágrimas
De quem se foi sem adeus
De quem ficou sem adeus
De quem esqueceu de Deus.

Poema de chuva



Seja neblina escorrendo seu caminho fora do asfalto.
O frio é leve quando despenca como gelo em copo de whisky.
As nuvens estrondam suas baterias com o cinza que nos faz acordar.
O tempo cai em prantos mostrando seu velho blefe de jogador.
E teu cigarro continua acesso do outro lado da vidraça.


Tem dias em que tudo está em paz.
São dias nublados de inverno silente,
Com sol apagado e roupas banhadas no varal.


Tem horas que o fim serena acalanto.
As janelas dos carros seguem fechadas,
Os guarda-chuvas são armados,
E botas molhadas aliviam os calos dos nossos pés.


Só temos o que não nos sobra.
São raios cortando o poder de noites em dilúvio.
Previsão de pouco sol,
Dias de nevoeiros como olhos marejados de adeus.


Ouvimos canções de inverno na sala vazia.
É chuva cantando blues de uma nota só.
É você na antiga foto guardada que lembro de rever.


Tenho o frio abrigado nos ossos e em dias nublados paro de tremer.

Constatação



Sou poeta
Porque sou triste.
Se fosse indiferente
Seria massa.
Se fosse alegre
Seria deus.





Somos cedo



O amanhã tem o cheiro do que já passou.
O outono e suas folhas secas.
A primavera e suas flores vivas.
Me escondo entre a gola do blusão.
Sorrio sem deixar você me perceber.


Trago um sonho dentro de mim.
E o sonho que trago comigo é o mesmo que carregas em ti.
Somos fluido.
Somos o que não se pode tocar.


Por tantas vezes nos pegamos perdidos.
Criando a vida numa vida que não se cria.
Bom é te ver sorrir depois que a chuva vai embora.
Ver o mar,
Abrir janelas,
Esquecer o que nos faz chorar.


Tudo continua.
Nada pode parar.
Por isso,
Depois de tudo 
Sempre haverá.


Quando fores embora
Terás que chegar.
Quando mandas teu adeus
Terás que dizer olá.


Somos movimento.
Envelhecer 
É se aproximar do nascer.


O mundo é tarde.
Nós somos cedo.


Se puder não me esqueça


Se puder não me esqueça.
Vou te enviar telegramas criptografados.
No macacão encardido do operário te deixo um verso de amor eterno.
Toda flor no teu caminho é a flor que não te dei.
As almas são estranhas,
São distantes.
As almas são nossos lábios suavizando o peso do céu que desaba.
Se puder não esqueça.
O alô,
Os risos, as bebidas, o sol, a neblina...
O adeus.

Blues do nada a perder


Bebe tua angústia na sombra silenciosa de um bar.
O mundo é cão e o cão do mundo aguarda o teu lamento.
Por isso, fecha os olhos e acende teu sol interno.

Não importa quantas nuvens vão chover lá fora.
Não importa que o teu sonho se tornou cicuta engarrafada.
Nem que não existam mais amores,
E que o teu cachorro dócil e amigo esteja atropelado agora.

Tudo que semeamos são cometas.
Caudas de pólen que o vento embriaga nos lábios da brisa.

Traga um cigarro.
Queime um cigarro.

Bebe teu desconsolo em pequenas doses.
Não procure ar na janela
Nem versos de borboletas em campo minado.

Olha o teu terno.
Admira a mancha de café no teu blusão.

O mundo é esse violino de cordas oxidadas,
Partidas,
Desafinadas.

A felicidade é torta.
A dor é reta.

Estamos no meio do termo entre o que é e o que pode ser.
Entre o que somos e o que pensamos.
Entre o concreto e a imagem.

Escreve teu blues
Um blues de nada a perder.