Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Eu e meu tênis



Saio correndo. Eu, meu tênis e a solidão que não deixa de passear acompanhada. Foram 21km seguidos de meia maratona. Passada após passada, deslizando e arranhando o asfalto da rota, que dizem que vai dar no sol. Um roquezinho zumbia no fone beijando levemente a audição. Melodiando a senda sonora de um percurso molhado em fôlego e suor, que delinearam as quase duas horas de marcha ininterrupta.

A sensação da estrada sem fim. O sabor do corpo rompendo a dissonância do vento. A viagem dentro de si, vasculhando os cantos e recantos do próprio ser. O cheiro sombreado da força, enamorando o descanso do outro lado da linha. As mãos e os sorrisos de ninguém, acenando a esperar no cume da missão cumprida. Cada quilômetro pestanejava seu alento de satisfação imaterial. Cada rosto estranho na avenida, que se alongava serpenteando à tarde, lembrava mais um poema concreto, com seu alicerce rochoso e sua imagem poética refletida no cântico plural de tantos tênis.

Correr é um diálogo intimista com a solidão. Essa dama atlética que ensina no sustenido de suas saias cinza a beleza serena do encontro apaixonado do mesmo um. Correr é falar de si consigo mesmo. É admirar o que passou com toda a satisfação do mundo. É buscar nos calabouços mais profundos a resistência necessária para tocar o lume no horizonte da distância. É superar você, olhando para você mesmo antes do globo que gira ao seu redor. É encontrar os trejeitos da felicidade no percorrer do seu próprio mapa.

O cheiro da maresia que vinha da proximidade do mar infiltrava os pulmões marciais que sopravam com furor todas as velas. Sorriso na janela dos dentes cheio de gotas de transpiração meio que prateado pela lua que apontava na chegada. Músculos, ossos, coração, vontade... Uma orquestra flutuando sua harmonia composta do sabor da estrada deixada pelo caminho. Vai o solitário alcançando correndo sua fonte e bebe a noite comovido de si no meio da multidão indiferente.

Eu e meu tênis. Companheiros da mesma trajetória. Iluminados da mesma lua. Satisfeitos um pelo outro. Gargalhando o charme da solidão. Assoviando os versos em compasso da canção que ainda tocava no mp3: “A trilha sonora da vida que trilho eu trago e assopro no ar...”.