Pássaro Unitário

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sábado, 27 de agosto de 2011

Nossa ilha de Manhattan


O lado escuro da cidade se manifesta na triste lâmina da violência. O consumismo abre espaço para a degeneração progressiva do homem moderno. A dor do não poder ter, do não poder consumir é mais cruel que as próprias enfermidades que habitam o corpo humano. O ácido lisérgico capitalista prega a ferro e fogo a lei soberana do possuir, para após, incidir os holofotes do absoleto, mostrando que a busca do ter é infinita, igual o deslizar da areia de uma ampulheta revertida a todo instante.

O sistema prega assiduamente nos corações e mentes tão esmolambados de cada um de nós sua santificada ladainha do “ter para ser”. A ferrugem corrói milimetricamente as entranhas da ética, que desaba em pedaços apalpadas pelos tentáculos de uma sociedade moldada, dia após dia, de atributos desumanos. É a banalização da decadência humana a sapatear com sapatilhas de mais bela bailarina diante de olhos dopados e incapazes de tecer qualquer questionamento.

A política econômica do capital é inserida e amparada a todo vapor na escala industrial. O ato do consumo desenfreado é a mola que impulsiona o sistema produtor do desequilíbrio social a que estamos inseridos. A astúcia empregada ao longo de décadas assombra a cultura e impõe respeito ao legado diluído do que vem em flashes na moda planejada em gabinetes.

A sensação febril imputada no subconsciente do homem, desde sua mais tenra idade, é responsável pela maioria das dores sociais que nos deparamos. A produção da beleza, da força, do sucesso, da amizade, da aceitação social passa sempre no que se encontra exposto nas vitrines. Tudo é vendável. Tudo é vendível. E tudo deve ser feito, realizado e sacrificado para alcançar o inalcançável.

O poeta francês Arthur Rimbaud, considerado pelos anarquistas como o Poeta da Revolução, apresenta em um dos seus versos a contestação sábia que poetiza o semblante e o encontro melancólico final do homem “ter” com o homem “ser”: “Por educação, perdi minha vida”. Cada letra do verso aponta o desespero carregado de uma vida voltada à adaptação imposta pelo aparelhamento de aceitação social, que escurece o indivíduo enquanto ser social único.

A falência, camarada leitor, é a lamparina dos nossos anseios virtuosos que se estafa progressivamente em nossas convicções, por imaginarmos, erroneamente por todo o passeio, que precisamos “adiar para o outro século a felicidade coletiva, e aceitar: A chuva, a guerra, o desemprego, e a injusta distribuição porque não podemos, sozinhos, dinamitarmos a ilha de Manhattan”, como confidenciou o bardo Carlos Drummond de Andrade em sua Elegia 1938.