Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

sábado, 27 de abril de 2013

Pés Descalços

Não me dê tua opção
Dê-me teu grito,
Teu escarro,
A lágrima mais salgada da tua treva.

Não me traga a grama do teu jardim.
Traga-me a praga que serena tuas flores,
Traga-me o verme que encolhe a beleza das cores,
O pólen estéril que a morte levou nos braços.

Não me oferte teu dia feliz.
Oferte-me o presente embrulhado nas sombras de tudo que não quis,
Oferte-me o futuro pirilampo sem luz de sonhar,
O soro que goteja impotente e terminal.

Não me doe nenhuma conta do teu perdão.
Doe-me a raiva algemada ao arrependimento,
Doe-me o vício que medicina não cura,
A mentira que colhe lâminas de ternura.

Não me apresente à leveza da tua sonata.
Deixe-me com o trovão dos teus dias de cão,
Deixe-me de pé no cadafalso da tua tuberculose,
Na linha de frente da seringa peçonhenta dos teus erros.

Não me venha com a beleza.
Largue-me o que te dói
Nos bolsos do meu jeans cansado
Da vida que indigesta ninguém quis.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Manifesto

Discordem do reto
das setas que indicam o rumo certo.

Discordem do padrão
com suas seringas cheias de nós não.

Discordem dos mais aplaudidos
com suas certezas tão iguais.

Discordem da ordem
que nos mantém em desordem.

Discordem da lei
que não representa vocês.

Discordem da justiça
que nunca bebeu birita.

Discordem da obrigação
que só obriga algumas mãos.

Discordem do discurso
que nunca abraça todos os cursos.

Discordem da beleza
que não sobra em nossa mesa.

Discordem desse deus
que sempre nos vê como ateus.

Discordem do máximo e do mínimo
com suas réguas demarcadas sem tino.

Discordem da autoridade
que soma tudo e não serve nada.

Discordem do vento
que todos os jornais inventam.

Discordem do amém
do refrão que não salva ninguém.

Discordem de A a Z
de tudo que incomoda a liberdade do viver.

A Culpa


E a luz acendeu
antes que ela despisse todo o corpo.
O pecado zombando da castidade.
Um gole negro de escuridão
no topo do sol nascente.
O aplauso viciado de pornografia.

O desejo vem de lábios vermelhos
estalando a chama de cada candeeiro.

Pêlo.
Pele.
Paladar.

Minúsculo naufraga os gritos do outro lado da rua:
_ Saia Diabo!
_ Diabo vá embora!
_ Todo o mal é o Diabo!

Bala perdida nos dentes da humanidade.
Fome mascando o estômago do mundo.
Bicho-homem caçando bicho-homem.

E o religioso continua seu refrão de inocência:
_ Saia Diabo!
_ Diabo vá embora!
_ Todo o mal é o Diabo!

Pobre Diabo...
Réu deste inferno luminoso que edificamos.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Um dia



Um dia
De notar que existe o dia.

Um dia
De vela acessa sobre o bolo.

Um dia
De palmas seguindo a trilha da melodia.

Um dia
De primeiros passos de um novo abril.

Um dia
De solidão acompanhada pelo azul

Um dia
De sereno de parabéns.

Um dia
De vida que agiganta a vida.

Um dia
De tempo adiantando o relógio tempo.

Um dia
De perde-se no encontrar.

Um dia
De nunca mais chorar.

Um dia
De noite fria com aquecedor.

Um dia
De não lembrar que existe dor.

Um dia
De saltitar sobre as lembranças.

Um dia
De viver o dia sem qualquer esperança.

Um dia
De rock rosnando na vitrola.

Um dia
De bebida enxugando a vida.

Um dia
De dedilhar em sol maior um violão.

Um dia
De chuva, seca ou escuridão.

Um dia
De fazer poesia

Um dia
De celebrar todo o dia.