Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

sábado, 30 de maio de 2015

Estou aprendendo a ir embora

Escrevo banhado de noite escura.
O céu pediu licença e foi passear em outra galáxia.
Aqui converso com os meus sustos,
Meus espantalhos,
Minhas mãos brancas e trêmulas de fantasma caído.
Escrevo banhado de noite escura.

A janela na minha frente é de vidro
E por ela entra uma sombra minguada de resto de lua.
O sono não vem e a noite avança as fibras tortuosas do meu silêncio.

Neste instante elaboro um plano de fuga.
Que me resgate das lembranças,
Dos amores,
Das felicidades,
E dos braços do abrigo que não me protege mais.

Sou um esqueleto pálido abandonando correntes pelo caminho.
Sigo apagando à sopro acenos borrados.
E a única luz que vejo alerta aviões do perigo.

Estou tocado em um canto acústico de sala.
Já passa da meia-noite e as nuvens vestem cinza.
Perco a conta dos goles desta mesma bebida.
Identifico os olhos que me leem agora
E dentro deles encontro as sobras do que não confidenciamos a ninguém.

Estou aprendendo a ir embora,
A não dá adeus,
A nunca mais voltar. 

Carta para você

Estou escrevendo uma carta para você.
Invisível a outros olhos,
Surda a outros ouvidos,
Muda a outras palavras.
Escrevo para te contar o que foi bom,
O que doeu,
O que passou e não volta mais.
Escrevo com o tremor de lágrimas suspirando abrigo,
Com a queda de joelhos arranhados,
Com o cansaço dos sem fé.
Escrevo tragando este cigarro
Que queima dando adeus ao mundo sem nenhum remorso,
Que dissipa no ar da sua fumaça
E não tem lembrança nenhuma pela manhã.
Escrevo para não te deixar sozinha no abandono dos dias frios,
Na poltrona que o sono não vem,
Na saudade sua de alguém.
Estou escrevendo uma carta para você
E não quero deixar no fim mais um ai,
Um ardor,
Uma sonata sem acalanto.
Então, não te mando agora meu adeus
Mas o sorriso daqueles tempos de poeta jovem com cabelos longos
Perdido em céus guardados de seus abraços.

Estou escrevendo uma carta para você.

Estou escrevendo uma carta só para você.

Lábios de bomba H


Meu desespero acende um toco de vela no ventre da imensidão.
Do outro lado o sol acaricia a epiderme da vidraça de olhos negros.
Não choveu na noite passada
E o sereno não encontrou tempo de fazer sua queda livre molhada de vento.


As janelas são tantas.
O horizonte admira o chão
E a ausência é o amor eterno a murchar as flores desse canteiro.


Estranho a mim quando o céu manda cartas de despedida.
Todo tropeço me lembra um verso torto da cor de olhos vesgos.


O perdão é pago com a angústia que nos assombra.

As janelas são tantas.
A saída sempre a mesma.
Vai ter face de luz,
Risco de esperança,
Raio de início, de ser diferente, de ser melhor.


Somos tão iguais quanto à devastação atômica que nos põe no fim.