Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Folhas Secas



Caminho de folhas secas.
Vento deus soprando sua doutrina.
Vida envelhecida, carcomida, engolida.
O poeta aprisionado em grades de sombras.
O verso, a pílula, a cinza colorida depois da janela.

Seus olhos tem a voz dos calabouços.
Seus olhos tem a cortesia dos absolutos.

Os passos seguem os reflexos do sol da manhã.
Porta fechada, motor ligado, pequenos goles de adeus.
Os passos reacendem no escuro inóspito dos astros.
Ombros cansados, bagagem do mundo, hotel do lar.
Vida servida ao cão pulguento dos enganos.

Seus gestos têm as sobras de todos os restos.
Seus gestos tem a maresia dos tributos sem fim.

Linhas desligadas, socorro mudo, conferência que não confere.
O importante é uma porta travada pelo que não importa.
E esse vício de construir o que não possui.
E essa soma que divide o que se possui.
Ampulheta sem tempo para o tempo que vale o tempo.

Seu sotaque tem a tradução dos filmes de ficção.
Seu sotaque tem a forma do cadafalso moderno.

Caminho de folhas secas.
Vou pular.
Saltar de um qualquer último andar.
Corpo lançado entre as brechas do ar.
A poesia há de me salvar.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

É Natal



A noite caiu.
É Natal.
A estrela aponta o sossego.
O presépio lembra a oração.
A humildade se mostra em tons divinos.

A luz acendeu.
É Natal.
O frio busca agasalho.
A mão toca outra mão.
O céu na distância desce por milímetros.

O sino tocou.
É Natal.
O profeta repete a boa nova.
A ilusão é desfigurada pela verdade.
O espírito se move por sobre os ares.

A janela abriu.
É Natal.
O berço pobrezinho reluz o perdão do mundo.
A mãe nina a criança serenada pelo afago.
O firmamento oferece em silêncio seu manto de natureza.

O tempo chegou.
É Natal.
Hora de cultivar virtudes.
Momento de repartir o tudo com o nada.
Instante de contemplação etérea do bem.  

A vida raiou.
É Natal.
E Deus nas curvas incertas de cada certeza humana
Escreve com lápis de ar na consciência da terra
Que Natal é todo o bem que podes fazer a alguém.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Antes do Pôr do Sol




Cuido em encontrar poesia no agora.
No copo de bebida lagrimejando sobre a mesa.
No gole de sede sombreando este sol.

A vidraça da janela deixa a luz clarear o pó dos meus versos.
As letras trocadas imprimem as gravuras do meu viver.
E vem de longe um perfume nostálgico de horizonte.
E vem descompassado, sorridente entre os abraços de um polvo.

O que vai sobrar eu escrevo a mão
Para alimentar a fogueira serenada do esquecimento.
Esse mago do infinito em expansão
Carregado da magia soberana de maquiar tudo de finitude.

Canto em três acordes minha balada de incertezas.
Canto indiferente à fragilidade pedinte de todas as certezas
Sustentadas e exaltadas pelo assombro tenebroso
Do cão do revólver erguido contra essa tal felicidade.

Só ouço a voz sem eco detonada pela verdade.
A verdade com seu bisturi imparcial
Amputando a gangrena vaidosa de todas as flores
Enfermas do aplauso enegrecido da mentira que afaga.

Não temas a amargura nobre poeta em prosa
Esse banquete se encontra armado à espera de cada um
É a nota dissonante que apara em um arquejo de sabedoria
As arrestas pobres de toda a soma das melodias.

Meu verso se nega a escancarar seus dentes na cara do mundo
Enquanto Raimundo continua batendo na porta fechada dos mil jardins
Suplicando imundo e sem cor uma ajuda pelo amor do teu deus.  

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Não Vai Acabar



O hoje não acabou com o mundo.
Varizes na retina,
Cáries no sorriso,
Homem caçando homem.

Terminar é doce como o ponto final de um verso.
Terminar é morte tragando analgésico na cara da dor.

O hoje não pode acabar com o mundo.
Espelho embaçado,
Jardim do egoísmo,
Altar das necessidades desnecessárias.

O fim não tem como afogar seu próprio fim.
O fim é inútil diante do fim que chegou no antes.

O hoje não tem forças para acabar com o mundo.
Passeio de pantera negra,
Prisão de desvalidos,
Razão dos sem razão.

Não se apresse nos afazeres que o mundo não tem mais como acabar.
Não se inquiete no canto da sala da matéria que o mundo não vai acabar.

O mundo...

O mundo é um cadáver embalsamado
Cheio de almas acorrentadas à ferrugem das vaidades
Rogando a esmo de velas acesas
O presente do céu que não soube construir.