Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Não me ame




Não me ame.
Você irá se frustrar.
Tentará encontrar saídas
E a saída estará
Simplesmente no não me amar.

Logo vais perceber meu cansaço,
Minha falha,
Meu herói vagabundo perdido em becos escuros.

Logo vais ver que minha poesia é frágil,
Dolorida,
E rica de desamparo e de pores de sol.

Vais sair e não me encontrar a sua espera.
Vais voltar e me encontrar sem nada que esperas.

Posso até te entregar flores,
Assoviar uma melodia de horizonte azul com cheiro de mar,
Declarar juras tão eternas quanto o batom vermelho dos teus lábios.

Mas não se engane.
Não sou o que procuras,
Nem estarei vivo nos teus sonhos depois que dobrares a esquina.

Posso até te fazer sorrir,
Riscar teu caderno com um verso de amor improvisado,
Dançar feito saltimbanco te livrando das crateras da lua.

Mas não se iluda.
Não sou tua felicidade,
Nem sei ir aonde você quer ir.

Não me ame.
Você irá fracassar.
Tentará encontrar porquês.
E o porquê estará
Simplesmente no por que você foi me amar?

sábado, 26 de novembro de 2016

Démodé



Sou este cara fora de moda.
Olhar comprido,
Camisa comprida,
Costeletas de refrão anos 50.
Meus motivos não são os seus motivos.
Não canto, grito.
Toco para esquecer onde estou.
Vivo mais longe do que perto.
E nego a opinião de linha de montagem.
Guardo o que maioria não quer.
Entendo mais de solidão do que de alegria.
Sou mais partida do que chegada.
Sou mais aceno do que aplauso.
Minha janela não tem flores
Mas o vento entra embaralhando os cabelos
E faz os papéis voarem.
Meus livros são repetitivos e cabem todos em três acordes.
Mando mensagens por telepatia
E me escondo em versos nublados cheios da umidade das galáxias.
Não aprendi a amar
E vivo a dicotomia do que tenho e do que quero dar.

Sou este cara fora do mainstream.
Cheio de noite o dia inteiro,
Cavaleiro do sol poente,
Dom Quixote sem moinhos de vento.
Meu argumento é dos pequenos.
Sou mais romântico do que realista.
Meus planos não são os seus planos.
Não bato, abro.
Minha gentileza é rouca para o mundo
Mas sei abraçar amigos em dias de palidez.
Estou mais em discos do que em CDs.
Quase posso tocar batons que partiram.
E desapareço na multidão de uma coisa só.
Visto-me de fim
E sigo a vida sem mochilas nas costas.
Só guardo o que não cabe em gavetas.
Sou meio riso rindo de tudo ao mesmo tempo agora.
Minha saudade é um livro de poemas serenado de vodca russa.
Não sei beijar.
Não sei aceitar o que é destino.
E envio cartas a quem não sabe ler cartas.

Sou este cara
Que você já viu.
Sou este cara
Que você não vê
Passando por você.

domingo, 20 de novembro de 2016

Sereníssima




Meus olhos de madrugada acendem o abajur da noite.
A pouco olhei para trás e vi a criança brincando.
Lápis de cor,
Bola de borracha,
Gritos de sorrisos e correria pelos corredores.
Estamos perdendo e a percepção é a porta trancada.
O espelho imprime as frestas do meu rosto cálido.
A lágrima degenera suave indo embora sem nada levar.
Trago os ombros curvados, mas continuo atento.
Sou mais o que não sei.
Estou mais onde não encontro.
Percebo o céu maculado e os anjos que caem como tempestades.
Quase toco os olhos de quem dorme e sonha ao lado.
Sou mais triste do que alegre.
Perdi-me de você.
E os telegramas com mapas
Não encontram meu endereço,
Minha caverna,
Minha criança que não reclama abrigo.

Meu bem



Longe, longe, longe.
Quase ao lado do infinito.
Onde os dedos do vento se escondem.
Próximo do adeus,
Do nunca mais,
Do para sempre.

É veleiro ancorado ao mar de horizontes.
É estrela guardando a última luz da noite.
E este meu cigarro que não apaga.
E este meu vinho que não mais embriaga.

Somam-se as hora e o tempo é curto.
A lembrança é um trovão esfarelando meus cometas.

Sigo, sigo, sigo.
Talvez teus olhos negros,
Teus lábios quase sempre sem batom.
Tua canção dedilhando sombras na janela.

Sou o que fica.
Este viaduto ligando aqui ao acolá.
Frio,
Concreto,
Estático.
Assombrado pelo movimento que não pode tocar.