Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Janelas fechadas


Tem dias em que não quero olhar pela janela.
Me sinto silêncio.
Um leão da montanha passeando em círculos.
Solitário,
Esquecido,
Livre como cântico de cigarra
Que não importa a morte chegando nos braços do inverno.

Não adianta o quanto regas a vida.
Pois a vida te deixará sem jardim.
E sem flores,
E sem musgos,
E sem o vale fértil que acreditavas que era teu
Te encontrarás contigo
Numa poltrona com pouca luz
E a certeza fulminante que a ti somente sobrará tu.

Tudo que amamos são estrelas.
Dessas cadentes com tempo certo para apagar no espaço.
Se queres amar sem sofrer
Ama com os olhos de adeus.
E nunca,
Nunca mesmo
Espere do amor um socorro
Para os dias em que tua tão cansada vontade
Pede para não mais olhar pela janela.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Santa paz


Onde estão teus olhos de paz?
Nessa bruma que despenca entre lábios roxos
Não consigo te encontrar.

Volto entre curvas de primaveras.
Busco o céu de vento soprando que teu sorriso trazia.
Tens outono e folhas secas flutuando sem direção.

Onde estão teus acenos como afago em dias de cão?
No meio dessa multidão vociferando uns aos outros
Não encontro tua aquarela nem teus pincéis de sol poente.

Bem-me-quer você dizia entre sombras de lua cheia.
Sozinha cantou teu destino.
Fechou portas,
Abriu janelas,
Regou dias de malmequer.

Procuro você nessa noite drogada.
Onde bêbados partem de volta para casa.
Onde meninas derramam no chão minissaias coloridas.

Nessa pouca luz tento um verso
Que apague o abaju
E te faça dormir do outro lado do mundo que estás agora.

Queria um minuto.
Sessenta segundos abrindo o véu do tempo.
Para te dar um alô e ver a meninice em teus olhos de santa paz.


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O velho na janela

Velho marinheiro de olhos na janela.
Acenando com vista de neblina
Um vento de vela de chama frágil.

A luz que cai é noite.
O som que chega é sereno.
O amor que foi não volta mais.

Um velho pálido sorrindo mudo da janela.
Acompanhando com gestos lentos as estampas dos vestidos.
A maquiagem urbana avisa que tem coquetel no bar.

Ruas de paralelepípedos dizendo siga.
Poste da esquina apagado.
Flores de plástico no jardim do que é eterno.

Um velho guardado dentro de si.
Cabelos longos escorregando todas as cores nos ombros.
Esquelético, esquálido, feliz.

Bebendo doses de lua.
Mágico como a espera do que nunca vem.
Puro como o zumbir de mosquitos trazendo o inverno nas asas.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Taça de lua cheia

Esse branco que vemos na lua é o alvor de um jardim.
Jardim de flores alvas,
Sensíveis como flocos de bolhas de sabão.

São flores de sonhos que nos deixaram.
Sonhos que deixamos.
Sonhos que partiram e se partiram antes de ser.

São pequenos anjos desprotegidos.
Orbitando sua minúscula claridade longe de nós.

São vagalumes que na mais profunda escuridão
Nos banham de visão de luz no fim de tudo.

Por isso, quando perguntam aonde estou
Quase sempre estou na lua
Lá tem mais eu do que em mim.