Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

domingo, 29 de setembro de 2013

A Distância do Por Enquanto


As flores esqueci.
Não me sobrou trocados.
Forrei as mãos com os restos da noite.
Saio levado pelo vento sem forças de soprar a vela do alto mar.
Tenho ainda o som da tua voz passarinhando todos os meus versos.

Lembro dos amigos que ficaram,
dos amigos que partiram,
dos amigos, eu lembro.

Recordo o batom deitado
na minha longa camisa
estampada de rádios chuviscados e sintonizados na sua estação.

Quando a lua grávida sapateou, você chorou.
Sorri bobo em três acordes de introdução
e cantei, sem um copo na mão, ao futuro e a sua doce escuridão.

Sei que a minha ambição é pobre do que só cabe em grandes malas.
Continuo regando o nada
com letras, poemas e canções.

Minha felicidade permanece passeando entre copos,
amigos, romances e revoluções.
Tudo diagramado nas pichações dos que pensam e não dispensam.

Ainda corro, mas bem devagar.
É que a paisagem ensina bem mais do que onde temos que chegar.
Por isso queimo os dias e acendo as noites nos cigarros de cada cauda de cometa perdido.

Não me fale mais do talvez.
Este bêbado embriagado de tantas dúvidas.
Somos o por enquanto assoviando que ninguém vai mudar o que ficou.

As flores esqueci.
Também esqueci do vestido branco de noiva,
do véu, da grinalda, dos convidados,
e do padre com seu sermão repetitivo: "Até que a morte vos separe".
Mais uma vez desprezei o padrão
e provei que o amor flerta docemente com a oposição.
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Epílogo de uma Paixão em Quatro Notas Musicais

Ah, se eu pudesse te ver.
Acomodava sobre a epiderme
Da tua emoção
As flores astrais
Semeadas com sementes
De letras mortas
Que não soubemos
Regar.

Ah, se eu pudesse te ver.
Alcançava num só impulso
A distância quilométrica
Entre os segundos
Que nos levaram
Pela mão
Cada um para um outro
Lugar.

Ah, se eu pudesse te ver.
Abandonava a casa,
O trabalho,
As pílulas artificiais
E subia ao sétimo céu
Sem o súbito empurrão
Da morte para me
Salvar.

Ah, se eu pudesse te ter.
Apagava todas as velas do quarto
Delineando apenas
Com o olfato dos dedos
Teu corpo nu
Ausente de tudo
Presente somente de
Nós.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Requiem Para o Fim do Mundo


Eu irei menina
mas espere a chuva passar.

Irei descalço,
pisoteando a brasa que o frio apagou.

Irei sem amigos,
catalogando no livro sem folhas a solidão que eu sou.

Não me apresse menina.
Tudo segue seu curso bem devagar.

Irei sem rosa na lapela,
para que nenhum perfume ouse me acompanhar.

Irei por dentro da noite,
camuflando os passos nas sombras para ninguém acordar.

Paciência menina.
Logo estarei acalentando de cinzas o batom azul dos teus lábios.

Irei sem contrato, sem sucesso,
sem a ansiedade feroz que nos enfurece o viver.

Irei sem terno, sem razão,
sem o asco que impregna a pele de tudo que se faz humanidade.

Na verdade, menina.
Irei plenamente desumano, bárbaro, ausente desta civilização.

Para que nos serve esse cão abjeto e sanguinário?
Esse devorador de ossos flamejando pela terra em bilhões de diabos dissimulados.

Aguarde mais um pouco menina
Levarei versos, sons e bebidas.

A chuva não tarda a passar.
Quando a chuva partir, partirei para te encontrar.