Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pássaro Unitário

Não olhar para trás
Saudade
Sem comentários do céu em pedaços
Sem falas do céu em pedaços

Não olhar para trás
Pássaro unitário
Sempre pássaro unitário
Nas mesas nos ventos nos lábios

O vazio aconchega o vôo do bando de um só
O vazio é limpo e perfeito para o bando de um só

Pássaro unitário feliz pelos ares
Pássaro unitário feliz por ser único no bando

Nunca olhar para trás
Pássaro unitário
Sempre pássaro unitário
Com a felicidade serena do estar sozinho. 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A Minerva humana


Os cães ladram, mas a caravana não para. Acredito que este axioma tem o teor estóico em toda a sua plenitude. É a sequencia do sábio que conduz seus passos no caminho planejado para sua auto-elevação, sem se ater as necroses que contaminam o seu habitat. Certa vez, um professor de sabedoria, entre um gole e outro de vinho tinto, confidenciou: A vivencia da filosofia torna o homem super. Os estóicos sabiam disso e não condicionavam seu estado de espírito ao âmbito externo, onde não poderia haver a preponderância do controle. 

É fato que somos a todo instante tocados por acontecimentos que influem minimamente ou soberanamente nos laços de vida que compomos. Muitas vezes a dor, a tristeza, a angústia ferve nossos pés no meio de um deserto quase incolor. Somos testados em pontos físicos e psicológicos necessários ao condicionamento humano, condenado, sem trégua, ao âmbito iluminado da sabedoria. Esse saber existencial e cósmico vai sendo burilado e fortalecido quando cultivamos em cada situação atroz a candeia fluorescente da virtude. Mas o que seria a virtude¿ Para o filósofo prussiano Immanuel Kant esse bem é aquilo que torna o homem digno de ser feliz. É a credencial alicerçada em base rochosa concedendo crédito ao estado de graça vislumbrado por tantos. 

O Filósofo do Jardim, Epicuro de Samos, vai além, apontando as chamadas Quatro Virtudes Cardiais, como sendo: A Sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça. Elementos vitais para se conduzir uma vida adequada e boa. Mas, vem à indagação, como tornar-se um homem virtuoso¿ Raul Santos Seixas no acordes roucos do rock Eu Sou Egoísta, concede o plano: O homem é o exercício que faz. Isso mesmo, o treinamento, a convivência, a prática cotidiana do ofício na marcha assídua e reta é que forma com exaltação qualquer combatente. 

As armas utilizadas pela sociedade moderna iludem e contaminam o ser em cada ato desproporcional ao sentido plano de uma vida em harmonia. É preciso ter em mente que o vício praticado vicia único e exclusivamente o maestro da ação, que deve beber sem cor toda a escuridão que produz. Outro ponto estóico de suma seriedade é que as coisas são todas proporcionais ao nível de importância que damos a elas. Nós, seres pensantes, é quem conceituamos os contatos que degustamos.  É quem fabricamos os monstros, os horrores e as vitórias. Somos responsáveis pela condução do nosso EU. Então, assim sendo, optemos sempre pela virtude, que passeia sossegada a distância de qualquer desastre psicológico. Mas, tenhamos sempre a convicção de cativar a premissa inicial de todo aspirante a virtuosidade, que é aquela talhada humildemente em voz mansa pelo pensador ateniense, Sócrates, diante da prepotência e da soberba do pseudo: Eu só sei que nada sei. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Devaneio de Carnaval

Pierrot de olhar pedrado no espelho
Desilusão das noites de carnaval.
Hoje a Colombina lhe traz flores,
Lhe traz um beijo enrolado em crepom,
Lhe traz o corpo cheio de desejo.

O Pierrot queima a fantasia e se alia a cães vadios.
O Pierrot desafina seu amor e se entrega ao pó.

Triste se fez a beleza da Colombina
Onde a velhice e os excessos consumiram toda a luz.

Flores roubadas não servem de consolo.
Beijos amassados só enrugam o crepom.
Corpo sem perfume não desperta nenhum amanhecer.

Hoje é a Colombina que admira a banda passar.
Hoje é a Colombina que beira sem cor pelas ruas.

No desvão dos confetes multicores vai o Pierrot.
Consumindo com ardor o hálito de Momo,
Consumindo os vícios e as virtudes com animação.
Pobre Colombina...
Entoa trêmula os últimos acordes da marchinha desilusão.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Metal e Flor

Procurar você na fumaça poluída dos automóveis
No grito louco de um freio brusco
Na música que as antenas assoviam com o vento.

Te achar onde você nunca vai estar
Desenhar tuas formas no contorno de cada edifício
Ondular teus cabelos no passeio emborrachado do asfalto.

É necessário ir onde você nunca vai estar
É necessário sondar todas as saias da lua.

Com mãos machucadas te afago.
Com bocas ressecadas te beijo.

Procurar você na pluma do beija-flor.
No gemido vagaroso do trem ferido.
Na vida desvivida de tudo que você não quis.

Te encontrar onde você nunca vai estar
No adeus do pra sempre na distância
Nas vestes gélidas em desalinho da solidão.

Te achar onde você nunca vai estar
Para que todo horizonte tenha sempre você por lá.


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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Pequena Nuvem

Pequena nuvem distante
Onde a vista do velho Poda descansa
Pode caminhar em paz
Pode dormir em paz
Ele te protege e te nina mesmo sem o perceber
Ele te cuida e te vela mesmo sem o perceber

Pequena nuvem de um céu longínquo
Pode brincar com tuas bonecas
Pode sair por aí com teu vestidinho de menina
Sei que não sabes muito deste mundo cão que te rodeia
Sei que não sabes muito desta solidão que nos assola

Ele sempre fala de você quando bebemos juntos
Ele talvez reze por você quando chega bêbado em casa
Assim tu podes olhar no espelho e passar esse batom claro
Assim tu podes soltar o cabelo e se achar pequena demais pra tudo

Não que a vida venha guardar um rosto triste para ti
É que toda vez que o velho Poda te beija no invisível
Tenha certeza que ele consome um pouco da tristeza que virá
E vai te deixando assim nuvem distante
Sempre pequena e feliz como hoje.

 

(Poesia – Passáro Unitário, 1998).