Pássaro Unitário

Pássaro Unitário

sábado, 31 de outubro de 2015

Por trás da porta




E quando fecho os olhos ainda dá vontade de voltar.
Vestido com minha camisa de mangas longas,
Sair no meio da noite como um fantasma brilhante,
Entrar no pequeno bar da esquina,
Pedir outra cerveja,
Cumprimentar com um gesto vago a tristeza de cada retina.

Tocar os lábios no copo de vidro,
Soltar um verso acreditando que é possível mudar o mundo,
Achar sensual os trejeitos da dor que nos assola,
Fugir sentado no mesmo canto de mesa depois de mais um gole.

Admirar cautelosamente as prateleiras com garrafas enfileiradas,
Deitar meu cansaço na noite alta de um sorriso de menina,
Sair de mim antes deste mundo mudar a mim,
Partir abraçado a um ruído rouco de rock and roll.

Sei que quando fecho os olhos ainda dá vontade de voltar.
Rever amigos, amizades e as sombras do que nos sobraram.
Zombar dos cristais quebrados pelo chão que pisamos descalços,
Entregar sonhos em papel crepom para mocinhas de sabores fáceis,
Elaborar teorias em guardanapos amarelados cheios de hálito.
Ir tão longe, mas tão longe que a razão esqueça sua razão. 

E quando fecho os olhos ainda dá vontade de voltar.
Com minha barba longa
E a chuva escorrendo no rosto que não aprendeu a chorar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Passeio da boa vista




Este resto de tarde cai sobre a minha janela de vidro

E você quase sem cor me pede um verso feliz.

Mas felicidade não cabe na poesia.

Cabe na poesia sua noite mal dormida,

Seus dias sem respostas,

Seus esquifes ancorados no desfilar das retinas.

Mas nunca a felicidade.


Não vou desperdiçar meu verso com um sorriso feliz.

Poesia é para os tristes.

Para os que estão à deriva,

Para os esquecidos por amores,

Para os com pouco sol na testa.

E nunca para os de cabelos soltos aos ventos.


A poesia é santa e não veio ao mundo pelos felizes.

A poesia veio ao mundo pelos inválidos,

Pelos pecadores,

Pelos humilhados,

Pelos sem rumos e doentes de passeio sem boa vista.


E a poesia é o teto,

O amparo,

A gota de desespero que atenua,

Que faz o caos se tornar lar

E os assombros doces conversas em varandas noturnas.


Ah, não se engane.

O feliz não procura poemas para ler

E sim

Vida

Para viver.