Pássaro Unitário

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Perdão, Santa Adolescência


O adulto é um tolo. Não um estúpido por simplesmente ser adulto, mas por aceitar vestir a indumentária que o sistema produz para o ser adulto. Renato Russo em uma das suas canções declara que aprendeu o que era certo com a pessoa errada. O Ira! (Banda de rock paulista) cantarola: Vivendo e não aprendendo. O Titãs vai além: Não acredito em ninguém com mais de trinta, não acredito em ninguém com trinta e dois dentes.

Os versos refletem sobre o princípio do distanciamento da adolescência, que vai moldando o homem dentro de uma carapuça abstrata, que trucida virtudes e constrói vícios. Por vezes somos a própria negação das mais belas ideologias que um dia defendemos. Pegamos-nos realizando o contrário da revolução iniciada nos dizeres radicais das camisetas que uma noite usamos. Partimos sem nos dar conta trilhando a ilusão que embrutece o homem e diviniza em preces pagãs a matéria.

Nesses dias me peguei absorto comigo mesmo. Peguei-me letárgico diante do tráfico das vitrines imóveis, que penetram a lança-perfume a razão desprotegida de cada um. Fui conduzido à tolice dos crédulos no sistema. Dos crentes na imagem desenhada impressa em tecido comum. Sentei-me a mesa da alucinação e bebi a desconstrução de mim mesmo. O transe foi momentâneo. Logo me veio à mente uma frase de Thomas More impressa nas páginas do volume Utopia, que eu conduzia no bolso do jeans desbotado pelos corredores da faculdade de jornalismo: “Admira-se saber que existe gente tão insensata que se considera como que enobrecida por vestir um traje de lã fina”.

Santa Adolescência! Nas fotografias dos ensaios ensurdecedores de rock. No dedilhado calejado de acorde por acorde namorando o violão. Nos pequenos palcos e saraus declamando versos de poemas tortos traçados a mão livre. Nas bravas camisetas que gritam: Rock Anti-Marcas! Pintadas artesanalmente pelo companheiro Carlile. Na liberdade de poder viver o “eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus!”, Na impressão questionadora de tudo que é estabelecido, normatizado, absoluto. Nas folhas dos livros de filosofia regando um pensamento autêntico escrito a mão em noites sem lua. Na vivencia da amizade que Cícero afirmou ser o maior de todos os bens humanos. 

Perdão, Santa Adolescência! O poeta menor de versos frágeis continua aqui. Com seus livros amarelados na estante. Com seus discos de rock arranhando a vitrola. Com os amigos que nunca foram. Com a retina afiada e a opinião livre. Com o tempo que não leva embora a força, a dor e a beleza de ser o que é. Com o alcalóide necessário ao espanto da alucinação que nos rodeia. E com a certeza clara que o mundo que construíram lá fora não serve pra nada.

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