Pássaro Unitário

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

O inferno de Deus

Vou estender o dia na janela. Ver se o sol laranja da manhã dilui as nódoas e o mofo acinzentado da maldade humana. Analisar o homem é inalar doses cavalares de egoísmo, vaidade e vícios a mil. Não se pode visualizar a tela da humanidade sem experimentar longos momentos de horror. Admirar frente a frente o bicho homem é saborear os lábios monstruosos das mais apuradas espécies de peçonhas. A chaga apodrecida em dor é regada solenemente no jardim do olhar humano. Manuel Bandeira no poema Presepe já alardeava: “O homem – essa absurda imagem de Deus!”.

 A humanidade aprendeu a traduzir em seus neurônios um mundo falseado, que tortura a verdade e sopra aos olhos universais a discrepância do homem como ser divino. É a divina trágica comédia dos ogros no céu de querubins. É o espelho amaldiçoado refletindo a feiticeira moribunda de todos os vícios, contente por ser a mais bela. Todo o mal se encontra encarcerado e semeado nas vísceras do próprio homem. Ele é a causa e o efeito catatônico dessa odisséia planetária de ópio e ranger de dentes. Sua mão maquineista flexiona o cão, visualiza a alça de mira, esmaga o gatilho e saboreia a pólvora na carne da presa que arqueja.

A criação mitológica do inimigo etéreo, vermelho e com semblante diabólico é mais uma falaciosa concepção de que o mal não emana da longínqua terra humana. O sopro do fogo urge do pulmão endiabrado do homem. A geleira polar da indiferença navega em mares abastecidos a pleno vapor pelo bicho homem. Esse ser animado das piores tendências. Esse ser criador de razões que saciam seu desejo vil. Esse ser emaranhado da discórdia que destrói meticulosamente o próprio semelhante.

O homem nega a contemplação única do si mesmo. Nega a reforma na sua catedral austera de desespero e de egoísmo sem fim. Sua profunda escuridão é apresentada a todo instante em flashes simultâneos de sombras. A mão que balança o berço constrói o pânico do presente e planeja a ojeriza do futuro. A face humana representa a medusa petrificada, dissimulada e inundada de vapores tóxicos. É a elegância dos mil diabos na passarela. É a túnica da hipocrisia lambendo o chão da mentira. O filosofo alemão Friedrich Nietzsche em um dos seus tratados sabiamente sentencia: “Até Deus tem um inferno: É o seu amor pelos homens”.

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