Pássaro Unitário

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sexta-feira, 1 de março de 2013

A Menina, a Janela e o Silêncio



O ranger da cadeira de balanço frente à janela.
A escuridão da noite cabe no copo de bebida.
E tinha um vestido molhado de chuva.
E tinha um batom pálido no sorriso.

Era menina que cresceu sem nenhum aviso.

O vento fumava charuto de ar entre os cabelos grisalhos.
A vida com sua culpa de despedida.
E tinha um retrato em branco e preto sem lembrança.
E tinha um diário cuspindo o tempo no tapete da sala.

Era menina que fugiu sem nenhuma fala.

A mão tremia sem sono ante o espanto da calmaria.
O pirilampo da juventude encarcerado na mais longa torre.
E tinha um perfume no cetim afiado da navalha.
E tinha um orgasmo no sexo cremoso de cada cravo.

Era menina que conta o último centavo.

A morte vestida de vermelho no esmalte de cada unha.
O gole de lua branca na estampa da cortina neblinada.
E tinha um delírio de para sempre naqueles dias.
E tinha um sol enluarado na noite que o dormir chegava.

Era menina que qualquer porta destrava.

O medo amedrontado escondia seu rosto entre os dedos.
A vitrola em último volume tratava o grito com ternura.
E tinha um romance declamando valeu a pena.
E tinha um perdão desbotando a tirania da dor.

Era menina que viveu a ciranda do mais amor.

A queda emprestando seus sapatinhos de camurça.
O uivo da gargalhada de quem sabe bailar diante do nada.
E tinha um broche anarquista na lapela.
E tinha um livro amarelado cantando Estrela da Vida Inteira.

Era menina que fez de cada triste eu o seu mais feliz você.

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